domingo, 15 de fevereiro de 2009

Moçambicanidade Vs Unidade Nacional

Nota: [1]

Moçambicanidade: o que eu penso quando penso na moçambicanidade?
Moçambique / línguas / hábitos e costumes / falares / etnias / modo de vestir / culinária / sentimentos / valores / literatura / dança / canto / olhares, etc. (E você, o que é que pensa? Pode elaborar o seu quadro ou modificar/ampliar este?)


Queríamos, em primeiro lugar, cumprimentar-vos e agradecer-vos pelo convite que nos foi formulado para hoje juntos partilharmos de algumas ideias sobre a moçambicanidade vs unidade nacional.
Em segundo lugar, porque celebramos a 3 de Fevereiro de 2009, o 40º aniversário da morte do Dr Eduardo Chivambo Mondlane (n. Nwadjahane: 20 de Junho de 1920), fundador e primeiro presidente da Frelimo, permitam-nos exaltá-lo como arquitecto da Unidade Nacional e protagonista da unificação dos movimentos que lutavam pela independência de Moçambique, nomeadamente, a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), a Mozambique African National Union (MANU) e a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI) numa Frente única de luta.
Na nossa opinião, a fundação da Frelimo constituiu um grande golpe contra o sistema colonial português, cujas políticas sociais caracterizavam-se pela divisão das pessoas em razão da raça, etnia, religião, etc.. A unificação dos movimentos nacionalistas veio mostrar ao mundo que os moçambicanos podiam organizar-se para defenderem os seus interesses. Foi através da mobilização e organização de homens e mulheres de diferentes extractos sociais e origens geográficas, que a Frelimo conseguiu criar condições para levar a cabo uma luta armada vitoriosa.
No texto Woodrow Wilson and the idea of self-determination, publicado em Abril de 1962, antes da fundação da Frente de Libertação de Moçambique (25 de Junho de 1962), Mondlane revelava, na nossa opinião, o seu pensamento político sobre a autodeterminação do povo moçambicano. Julgamos que este texto é fundamental para a percepção da forma como a luta armada foi inicialmente organizada e conduzida. Ao afirmar que não existia liberdade dos povos sem liberdade dos indivíduos, ele sublinhava a primazia do princípio da unidade na diversidade, nas relações entre os moçambicanos.
Para dar corpo a este pensamento, somos de opinião de que ele apostou na formação política e militar dos guerrilheiros, em diferentes cantos do mundo, que era uma forma de garantir que na frente do combate os guerrilheiros entendessem questões essenciais de uma luta, tais como, a unidade, o trabalho (a produção dos alimentos) e o respeito dos direitos humanos.
Julgamos que a organização foi a chave da vitória da Frente de Libertação de Moçambique. Mondlane percebeu que a organização, a inclusão do outro, através do combate ao tribalismo, regionalismo, racismo era fundamental para o sucesso da luta armada.
Na nossa opinião, este pensamento tem conduzido muita gente a considerar Mondlane como o promotor da moçambicanidade, reduzindo a nada todo o esforço que gerações anteriores fizeram por Moçambique. Outros há que se referem à moçambicanidade a partir de 1975, ano da independência do país (com o argumento de que antes dessa data falava-se de uma província ultramarina. Todavia, interrogamo-nos se isso é suficiente para apagarmos as identidades individuais e/ou colectivas, para anularmos o esforço da procura da liberdade conduzido pelas gerações anteriores a 25 de Junho de 1975).
A construção do conceito de moçambicanidade tem de ser feita considerando diferentes épocas históricas e diferentes sensibilidades da sociedade moçambicana. Porque baseia-se na Utopia dos moçambicanos! E isto deverá superar as nossas divergências. É provável que o esforço da construção do Sonho moçambicano, nos conduza para o período da fixação das fronteiras do que é hoje chamado Moçambique, território agregando pessoas, com os seus respectivos usos e costumes, aspirações, etc.. Este esforço levar-nos-á, provavelmente, a projectarmos um Moçambique para além dos nossos tempos. O conceito de moçambicanidade conduzirá a elaboração de uma “fórmula de trabalhar” para Moçambique!
Na nossa opinião, a questão da moçambicanidade deve ser vista como uma construção social ligada ao sonho de pertencermos a uma pátria, a uma nação; ao sonho de construirmos essa pátria - nação. Consideramos que, actualmente, moçambicanidade é um conceito inacabado, sem a devida marcação. Quando perguntamos o que é moçambicanidade, dizem-nos coisas como: é o sentimento de pertença a um país; o orgulho de ser moçambicano; o pensar Moçambique, sentir Moçambique, etc.. Não há limites nisso, uma definição clara do objecto. Ora, quando um termo não pode ser definido com clareza, ou seja, é demasiado aberto, como é o caso, leva-nos a incluirmos nele tudo que é relativo a Moçambique. E moçambicanidade não deve ser tudo aquilo que é relativo a Moçambique, pois ela tem de ser vista como realidade social daqueles que lutam por Moçambique, sendo ou não nascidos nesse país, vivendo ou não nesse território.
Nos esforços de lutarem por Moçambique, indivíduos há que decidiram organizar-se em associações. É de louvar essas iniciativas, porque o associativismo é uma forma de organização social que tem permitido maior intercâmbio entre os diferentes poderes da sociedade moçambicana. É uma forma de manifestação da liberdade individual.
Hoje, há associações por todo o país. As pessoas acordam e… ei-las criando associações inclusive, associações cujo líder é o único membro!!! É como dizia Mondlane “não existe liberdade do povo sem liberdade dos indivíduos”. Pois, é o direito a reunião e de movimento plasmado na nossa Constituição da República. É, também, o direito a expressão e comunicação. É por isso que nas nossas escolas as crianças já aprendem nas suas línguas maternas; dançam Yao, Mapiko, Xigubo, Ngalanga… e cantam em todas as línguas de Moçambique. Quebrámos o preconceito linguístico envolto na assimilação (infelizmente, ainda existem alguns que não valorizam as nossas línguas bantu; ainda não perceberam a razão da nossa luta; o significado da liberdade). Cruzamos etnias, raças, usos e costumes, línguas. Unimo-nos, porque acreditamos que o desenvolvimento do país depende em grande medida da Unidade Nacional.
Hoje, ao reflectirmos sobre a moçambicanidade e Unidade Nacional, queremos prestar tributo a Mondlane e a luta vitoriosa que dirigiu. Recordamo-lo porque estamos convencidos de que ele conseguiu transmitir aos moçambicanos o sentimento de pertencerem todos ao mesmo território dominado pelos colonialistas portugueses.
Temos a convicção de que o associativismo nas suas múltiplas expressões (associações desportivas, culturais, humanitárias e de carácter social, associações juvenis, etc.) constitui uma poderosa arma social e cultural em poder dos povos. No nosso país, o associativismo tem se revelado como a expressão da liberdade e do exercício da democracia. Tem sido um meio para muitos moçambicanos participarem na tomada de decisões sobre o (s) destino (s) do país. Acreditamos que o associativismo possibilita o intercâmbio e a interacção entre diferentes pessoas, regiões e poderes legalmente instituídos na sociedade moçambicana.
A nossa experiência associativa reforça a nossa convicção de que actualmente nos guiamos por princípios de unidade de um território e do seu povo. Povo multiétnico, multirracial, diverso em crenças e pensamentos. Sabemos que, apesar da diversidade étnica, racial e de costumes, o nosso povo sabe superar as diferenças. Cada um de nós sabe sacrificar aquilo que tem de mais sagrado, o seu ego, a favor do colectivo.
Quando pensamos no associativismo, estamos a pensar que pessoas uniram-se livremente para construírem o espaço onde irão trocar ideias, onde procurarão buscar entendimentos para o bem comum. A nossa esperança é de que ao se unirem saibam promover o país, a sua cultura e a sua história (esta é a fórmula da construção da moçambicanidade). Nós temos a nossa história. A nossa esperança é de vermos nascer, das actuais associações, grandes líderes e modelos de vida. Pessoas que conheçam profundamente as nossas fronteiras e o nosso povo.
Hoje, aqui em Lisboa, queremos lançar-vos o desafio para difundirem a obra de Mondlane, porque é um modelo de vida a seguir por todos aqueles que sonham por um Moçambique uno e indivisível, que investem na formação do Homem e que apostam no desenvolvimento do nosso país.
Para terminarmos, gostaríamos de apelar sobretudo aos estudantes e a todas as associações aqui presentes para promoverem a paz, a integração social e assumirem um papel importante na construção de Moçambique. O associativismo deve examinar minuciosamente a sociedade e projectar o seu desenvolvimento integral. Tem de haver muito trabalho e muita vigilância. Só assim é que podemos fortalecer a nossa unidade. No âmbito da integração regional e das relações com outros povos, o associativismo deverá privilegiar a paz, a democracia e o desenvolvimento económico e social.
Bem haja Moçambique!
Muito obrigado!

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2009


[1] Texto integral da palestra decorrida na Fundação Agha Khan, Centro Ismaili, Lisboa (Portugal), organizada pelo Núcleo de Lisboa da Associação de Estudantes Moçambicanos em Portugal.

Sem comentários:

Enviar um comentário