domingo, 31 de maio de 2009

Poesia do desconcerto

APAGÃO

A lua vai vai vai
Vai devagarinho beijar o sol
E não o faz sem licença
Aproxima-se com vénia e toca
Suavemente o Astro-rei
Num instante a terra eclipsa-se
Tudo sobe do solo em ais incontidos
Eis a noite mais curta do ano
Espectáculo grátis na minha terra
Grátis? Não. Eclipse custa dinheiro
Onde está escuro não se vê dinheiro
Senão sol e lua irmanados no cosmos
A nossa razão de viver são os tomates
Sem preço. É a esperança.


Boane, aos 03 de Julho de 2001
Nobre Roque dos Santos


TERRA PAGÃ

Engenhosa órbita minha terra
Quem te fez egoísta e oculta?

Meu coração partiu-se sobre as rochas
D’amargura em amargura rolando viril
Neste mundo roubado a Cristo

Quem és tu terra pagã vida ou morte?
Em teu olhar não há resposta
És sombra dos nossos antepassados
Feitos carregadores nas plantações de açucar
És espada afiada para sorver o sangue quente dos teus filhos
És a morte das vozes sopradas da diáspora
És o sensabor da virgem violentada pelos tendões
És terra sofredora descapitalizada
Ó terra dos antigos Prazeiros
Ó terra do Monomotapa
Ó terra do Mataca
Ó terra do Ngungunhana
Ó terra da Macuana
Ó terra do Changamire Dombo
Ó Céus, ampare-me!

Minha terra transfigurada
Minha pátria adúltera Sonâmbula
Terra vagabunda. Para quando a liberdade?
Responda-me ó pátria misteriosa e grite comigo
Liberdade!

Boane, aos 26 de julho de 2001
Nobre Roque dos Santos


ENGANO

Sob o teu andar
Plantei micaias
E desvendei sonhos inaudíveis de amor

Em teu olhar
Profanei os meus deuses
E jurei-te fidelidade
O ar perfumou-se então de metáforas
E tu proclamaste-me soberano
Do teu destino

A vida eclipsou nosso sonho
E desenraizou nosso amor

Hoje nosso amor é mbenga de saudades
De um sonho eclipsado

Boane, aos 01 de Março de 2001
Nobre Roque dos Santos



A NKWAKWA – I
( A Elsie )

És árvore
Cortada na angústia dos homens
És árvore
Queimada na dor da existência
E ardes em combustão

- E ardemos todos!

A tua voz ecoa pela natureza

- Socóóórró!

E choro
E grito
E sofro na angústia da cumplicidade
Da nossa destruição

No céu há braços que acenam
São nossos ancestrais
Também eles cúmplices da desgraça
Carregando as nossas cruzes

E vejo sol
E vejo terra
É o deserto nos meus olhos
Tu e eu na sobrevivência

- E ardemos todos!

Boane, aos 19 de Dezembro de 2000
Nobre Roque dos Santos



A NKWAKWA – II

Kw – a – kw a cortar
Kw – a – kw a arder
Kw – a – kw a destruir
Kw – a – kw a não repôr
O Homem desconcerta a natureza
E em seu lugar ó árvore secular
Nudez só nudez
A terra excomungada perde-se no deserto!

Boane,aos 19 de Dezembro de 2000
Nobre Roque dos Santos