domingo, 6 de março de 2011

O papel do professor na educação em Moçambique

Introdução

Nesta sessão, proponho-me a reflectir sobre «o papel do professor na educação em Moçambique». A minha abordagem enquadra-se no sistema educativo, e tem em conta a contribuição dos agentes da educação como a família, a escola e a sociedade em geral, nos desafios actuais da sociedade moçambicana, como por exemplo o combate à pobreza. Esta opção deve-se ao facto de a actividade do professor ser regulada pela sociedade e reflectir as actividades que o homem realiza, seus desejos, seu comportamento e atitudes. Deve-se também ao facto de o discurso sobre o professor merecer a devida contextualização, porque o discurso cria, produz uma noção particular sobre o currículo, que é usado na escola para a educação/formação dos homens.
De acordo com Ribeiro (1990), «o sistema educativo caracteriza-se como conjunto organizado de estruturas, meios e acções diversificadas através do qual se realiza o processo permanente de formação a que têm direito os membros da comunidade que adopta esse sistema educativo, visando o desenvolvimento pessoal, o progresso social e a inserção numa cultura».
Tendo em conta este conceito, e considerando que a escola é o lugar tradicional do trabalho do professor, posso afirmar que a reflexão sobre o papel deste, na educação, passa por observar o plano curricular que ele usa, pois os sistemas educativos reflectem geralmente, a determinação política, económica e social de quem o elaborou. É impossível o professor exercer a sua actividade fora de um sistema educativo.
Por exemplo: no início do século XX, face à crescente industrialização da sociedade americana, defendeu-se a «metáfora da escola como uma fábrica e do currículo como processo de produção», em que as crianças eram vistas como “matéria-prima” e os professores como controladores do processo de produção, assegurando que os “produtos” eram construídos de acordo com as especificações meticulosamente traçadas e com o mínimo de desperdício. Naquele contexto histórico e social, defendia-se a educação vocacional, e a intensificação da escolarização dos indivíduos de forma a corresponderem ao crescente processo de industrialização. O modelo institucional dessa educação era a fábrica. A escola deveria reproduzir a mesma racionalidade do sistema produtivo. E o currículo era o ordenamento dessa produtividade, dessa racionalidade eficiente.
Como se pode imaginar, o papel do professor era garantir a eficiência nos resultados, com rapidez, mínimo espaço, mínimo custo. A escola era vista também como uma agência de controlo social, em que a eficiência social se impunha como objectivo pleno da educação. O problema é que a lógica da eficiência social estava centrada apenas na criança enquanto tábua rasa, e o professor como o detentor do saber. Desta constatação surgem propostas inovadoras. Uma delas é a que chamava a atenção para a consciencialização de que a criança tinha que aprender, investigar, comparar, pensar nos porquês e tomar as suas decisões, enquanto o professor devia servir de guia e não de fonte ou recipiente de informação.
Através deste exemplo pretendo apenas salientar que o papel do professor deve ser devidamente contextualizado, tendo em conta as relações do poder e as transformações políticas, económicas de cada sociedade e época. Na verdade, a história da educação é riquíssima em matéria de modelos de desenvolvimento curricular, fornecendo-nos várias teorias e escolas, em que a preocupação central parece estar na pretensa satisfação das necessidades dos cidadãos.
Neste contexto, parece que o professor está envolvido em todo o processo de transformação curricular, pois é sobre ele que recai a tarefa de pôr em prática qualquer forma de educação que se pretende desenvolver. Por isso, considerando que a educação é um processo social, exige-se dele elevado grau de disciplina e investigação de modo a que participe com responsabilidade e liderança na construção do saber. Isto implica o saber compreender os fenómenos sociais e contribuir para que a sua interpretação seja acessível para todos.

Compulsando sobre o papel do professor na educação em Moçambique

Para analisar o papel do professor na educação em Moçambique vou considerar, nomeadamente a família, a escola e a sociedade em geral, como agentes da educação:

A família

Quando ingressa na escola, o aluno não é uma tábua rasa, pois já teve um período de aprendizagem na família e na comunidade. Ele sabe como manusear objectos, nomear coisas, e tem a noção da organização da sua família, e provavelmente da sua comunidade. A vida familiar é geralmente prática e complexa, pois proporciona muita informação, muitos conhecimentos sobre o funcionamento da sociedade. A criança não precisa ir a escola para saber quem é o líder da sua comunidade, o nome da moeda que usa e a sua função, conhecer os museus, as praças públicas, os jardins da sua cidade ou comunidade, acender a luz, abrir a torneira da água, abrir e fechar a porta. Tudo isto pode aprender em casa, em convívio com a família e a comunidade. Actualmente, com o desenvolvimento tecnológico muitas crianças já vão à escola com conhecimentos básicos sobre a informática, fazem pesquisa sobre jogos, vídeos, etc. para o seu lazer, e sabem conectar-se à internet. É por isso que a chegada à escola, ela não é uma tábua rasa: detém conhecimentos e experiências riquíssimas que precisam ser aproveitadas para a vida escolar. Tudo isto faz com que o trabalho do professor hoje seja mais complexo e exigente. O professor que não pesquisa, que não busca novos conhecimentos, corre o risco de não poder transmitir novos conhecimentos aos seus alunos, não poder incentivar os alunos à pesquisa. É por isso que nas cidades muitos pais antes de matricularem os seus filhos fazem pesquisa sobre a escola e as condições que estas podem oferecer, etc.. Cada um de nós poderá ter muitas histórias a contar sobre professores que, diga-se, «não sabem» o suficiente para motivar os seus alunos a aprenderem.
A família está cada vez mais exigente e, paradoxalmente, ela própria sem tempo para educar os seus filhos. É cada vez mais crescente o número de pais que delegam à escola o papel de educar as crianças. Há quem pense que o professor pode substituir os pais, esquecendo-se que o seu filho estará numa turma, provavelmente numerosa, onde o suposto pai não poderá fazer o milagre de cuidar integralmente do «filho». Os pais muitas vezes não fazem o acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem, mas querem saber o resultado final, do tipo passou ou chumbou. Como disse, esta é uma abordagem contextualizada, refiro-me à visão que muitos pais possuem do papel do professor na educação: o professor é pai. Pessoalmente, não concordo com este ponto de vista, mas existe esta concepção e ela é fortemente marcada. É fácil perceber esta associação quando se elogia, e sobretudo se critica o trabalho do professor. O professor quase sempre tem rótulos, pode ser por exemplo bom ou mau, dependendo se os pais observam ou não progressos na aprendizagem do seu filho. Parece-me que para a família o papel primordial do professor é ensinar as crianças a saberem mais sobre as coisas para o seu bem-estar.

A escola e a sociedade

Como sabemos, o processo de educação e socialização começa em criança na família, e prossegue na fase adulta, através da contribuição para a construção de uma sociedade capaz de satisfazer as determinações políticas e sociais legalmente instituídas. A educação escolar constitui um processo formativo sistemático e sequencial que ocorre em determinados momentos, em contextos específicos, durante períodos temporais definidos, através de pessoas especialmente preparadas para a tarefa de ensino – aprendizagem, segundo estruturas e esquemas organizativos, de modo a avaliar e certificar a aquisição de qualificações previamente definidas (conhecimentos, aptidões e atitudes). (Ribeiro e Ribeiro, 1990: 32)
Segundo este autor, há duas principais funções da escola: instrução (ou ensino) e socialização. Isto significa que a escola para além de proporcionar ao aluno aprendizagens formalmente estabelecidas para o processo de ensino - aprendizagem, sistematiza a socialização iniciada na família na forma de normas de conduta e social.
Actualmente, o professor parece enfrentar vários desafios na escola. Vou indicar três, que julgo de grande importância para a planificação e execução do seu trabalho: 1) a crescente industrialização do país e o ritmo elevado do desenvolvimento tecnológico, que parece transferir o espaço físico tradicional (a sala de aulas) para espaços virtuais, como por exemplo a internet. Isto pode implicar mudanças de estratégias de ensino aplicáveis à modalidade presencial para a modalidade não presencial; 2) a integração regional, com particular enfoque para a livre circulação de pessoas e bens na SADC. Isto pode implicar transformações curriculares com vista a harmonização dos programas de ensino na região austral de África. E 3) a pobreza e as suas consequências na escola. Passo a desenvolver cada um dos desafios mencionados:
1) A questão coloca-se da seguinte forma: como o professor pode auxiliar o aluno a desenvolver competências para satisfazer a crescente industrialização da sociedade moçambicana? Como é que as novas tecnologias podem auxiliar o aluno a saber mais? Sem pretender dar resposta às questões, impõe-se uma discussão sobre a contribuição da escola neste domínio, pois o desenvolvimento industrial e tecnológico do país tem implicações directas na planificação curricular e no trabalho do professor, que deve estar melhor preparado para enfrentar as exigências do mercado que se traduzirá na selecção dos melhores e na exclusão dos que não demonstrarem competências para a vida. As inovações requerem uma formação, uma preparação e uma organização. Um indivíduo mal formado certamente que não poderá inovar, e muito menos contribuir para o desenvolvimento do seu país. Neste contexto, o professor deve funcionar como uma luz, e usar os novos meios de informação para desenvolver o espírito crítico por parte dos intervenientes no processo de ensino – aprendizagem. O professor deverá, na minha óptica, ter a consciência de que o aluno precisa contribuir para a sua própria aprendizagem, e como tal deverá criar um ambiente favorável para o efeito. Por exemplo, usar o computador para exercer uma forte motivação dos alunos, alargar as fontes de informação, tais como livros, filmes, vídeos, internet, televisão, jornais, revistas, multimédia, etc..
2) A livre circulação de pessoas e de bens na SADC exige dos cidadãos dos países desta comunidade, esforços para competirem com os outros em vários domínios da formação profissional, como é o caso da língua. Assim, a intervenção do professor será fundamental para garantir competências linguísticas e comunicativas dos alunos. No que diz respeito aos bens, considerando a existência de uma zona de livre circulação, os consumidores preferirão logicamente produtos de melhor qualidade. Isto implica que a escola tem de estar preparada para formar cidadãos capazes de produzir bens de qualidade. Neste sentido, caberá ao professor incentivar a busca de conhecimentos para ajudar o aluno a sair da escola com competências para produzir com qualidade. A escola deve abrir-se ao mundo e permitir a interacção, a partilha de saberes e a sua divulgação.
3) A pobreza é um grande desafio da escola moçambicana: parece-me que tem influência directa no insucesso escolar, no fracasso da produção, no elevado índice da mortalidade, etc.. A escola moçambicana tem de produzir conhecimentos que permitam aumentar a produção e a produtividade. Acredito que foi a pensar nisso que se introduziu no ensino secundário geral disciplinas técnicas como o empreendedorismo e agro-pecuária.

A problemática do poder no currículo

O currículo do SNE, em Moçambique, pode ser visto também na perspectiva das relações do poder. A questão do poder é desde a independência um imperativo nacional no currículo. Esta questão tem-se manifestado no currículo de várias formas. No período entre 1975-1992, o slogan “Fazer da escola a base para o povo tomar o poder”, traduzia com precisão a missão da escola e da sociedade – tornar o espaço outrora[1] inacessível para a maioria da população moçambicana, num lugar de acesso massivo. Acreditava-se que o desenvolvimento económico e social do país dependia da escolarização em massa da população. Esta ideia foi defendida nos termos em que a revolução moçambicana impunha o fim das relações de classe, a divisão tribal, a discriminação racial, e a busca da unidade nacional.
Na verdade, o sistema educativo em Moçambique, após a independência, procurou constituir-se um espaço para todos, crianças, jovens e adultos, independentemente do estrato social a que os intervenientes pudessem pertencer. Segundo Casali (2001: 114), a tarefa histórica, no caso moçambicano, cumpriu-se através dessa forma de superação dos privilégios que um grupo de indivíduos detinha no período colonial, instaurando o direito à educação para todos.
Julgo que a escola moçambicana após a independência até a introdução do Sistema Nacional de Educação era fortemente marcada pelos ideais da Luta Armada de Libertação Nacional. Era uma escola revolucionária, que visava a emancipação e a libertação do Homem das chamadas tradições e práticas obscurantistas, como os ritos de iniciação, as cerimónias de invocação aos espíritos ancestrais; a proibição de produção e consumo de bebidas espirituosas ou tradicionais. Essas medidas tinham como pretexto combater as heranças do colonialismo. Parece ter havido a crença de que o colonialismo fomentava essas práticas para manter o povo na ignorância e, assim, perpetuar a dominação do Homem pelo Homem.
Como afirma Sacristán (1991:21):
O currículo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a determinados professores e alunos, serve-se de determinados professores e alunos, serve-se de determinados meios, cristaliza, enfim, num contexto, que é o que acaba por lhe dar o significado real. Daí que a única teoria possível que possa dar conta desses processos tenha de ser do tipo crítico, pondo em evidência as realidades que o condicionam.

Na verdade, a sociedade moçambicana soube ajustar-se em função dos tempos e do seu próprio desenvolvimento. Este exercício reflecte-se hoje no currículo: a revisão curricular no E. Básico, E. Secundário Geral e E. Técnico, resulta da necessidade de ajustar a escola à realidade social, política e económica do país. Como dizia Althusser, a escola é um dos principais Aparelhos Ideológicos do Estado. Embora Althusser se referisse à escola capitalista, parece que todo Estado usa o potencial que a escola detém para formar uma consciência individual e colectiva de pertença a uma nação.
Sacristán (1991: 31) chama a atenção para as diferentes formas de actuação ideológica da escola:
A escola actua ideologicamente através de seu currículo, seja de uma forma mais directa, através das matérias mais susceptíveis ao transporte de crenças explícitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais existentes, como Estudos Sociais, História, Geografia, por exemplo; seja de uma forma mais indirecta, através de disciplinas mais “técnicas”, como Ciências e Matemática.

Embora o autor não faça referência às disciplinas de língua, é preciso notar que a língua é, provavelmente, o principal instrumento ideológico ao serviço da escola. Os mecanismos selectivos usados para determinar a língua de instrução estão em função das possibilidades reais que uma língua tem para difundir os interesses ideológicos do poder. No caso de Moçambique, a língua portuguesa foi eleita língua de unidade nacional e língua oficial. Para além disso, a língua portuguesa constitui um veículo de transmissão de conhecimentos científicos e culturais.

Conclusão:
Antigamente, o professor era visto como o detentor de todo saber. Era uma espécie de depositário de conhecimento que podia ser transferido para o seu aluno. O seu saber e os seus procedimentos metodológicos não eram submetidos à crítica. Actualmente, esta visão do professor parece ter mudado: o professor é visto como um motivador, aquele que incentiva o aluno a pensar, a questionar a realidade, a descobrir coisas novas, e a aprender a reflectir sobre os fenómenos que o rodeiam. Por isso, julgo que o papel do professor é servir de modelo para o seu aluno, estimulando-o a gostar e a acreditar naquilo que faz. O professor deve inspirar o seu aluno a produzir conhecimento e riqueza para o bem estar da sociedade. Acredito que apostar na escola e no professor é incentivar o desenvolvimento social e económico do nosso país.

Bibliografia:
GANHÃO, Fernando (1979). “O papel da Língua Portuguesa em Moçambique”. Maputo: Comunicação apresentada no I Seminário Nacional sobre o Ensino da Língua Portuguesa em Moçambique.
MAZULA, Brazão (1995). Educação, Cultura e Ideologia em Moçambique: 1975 – 1985. Maputo: Edições Afrontamento.
SACRISTÁN, J. G. (1991). O currículo, uma reflexão sobre a prática. 3ª edição. São Paulo: Artmed Editora.
SANTOS, Nobre Roque dos (2006). Estratégias de ensino da leitura/compreensão de textos didácticos. PUC – São Paulo: Dissertação de Mestrado. (Disponível em http://biblioteca.universia.net/2008).
RIBEIRO, António Carrilho e RIBEIRO, Lucie Carrilho (1990). Planificação e avaliação do ensino – aprendizagem. Lisboa, Universidade Aberta.
[1] Refere-se ao período colonial.