sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Os vícios da educação em Moçambique (1)


Há mais de três décadas que a minha vida se tem confundido com a escola, pois nela tenho estado a crescer e sei que existe entre nós uma cumplicidade tácita. Eu vejo no horizonte temporal, desde o dia em que comecei a estudar, na pré, que estamos a crescer juntos, eu e a escola. E isto é assim para muitos profissionais de educação como eu. Se acedermos ao site do Instituto Nacional de Estaísticas encontraremos provas deste nosso crescimento, desde o ano da independência, 1975. As estatísticas que aqui preferimos omitir mostram essa tendência (veja-se o site http://www.ine.gov.mz). Por exemplo, registou-se um nítido crescimento da rede escolar em todo país; anualmente regista-se um elevado número de professores formados e cada vez mais alunos graduados a todos os níveis de ensino. Isto é desenvolvimento.
Durante esse tempo todo a educação tornou-se a minha paixão. É muito tempo. São muitos anos vividos sob o signo de prazer e de trabalho, de vacilação e de coragem. Anos em que aprendi que o processo de ensino e aprendizagem é prazeroso, cativante e bastante emocionante. É verdade. Acreditei num projecto de trabalho e de luta; e sempre pensei que era justo continuar a tarefa, o compromisso, o ser professor. Hoje tenho medo de ver o projecto desabar; tenho medo do caos. Por isso, como no passado quero activamente participar de mais uma reflexão, num momento em que estão em causa as reais capacidades que o sector da educação e cultura possui para levar avante os desafios da modernidade, do progresso e desenvolvimento do país através da formação do Homem.
Esta reflexão levou-me já a identificar dois factores que perturbam o funcionamento das escolas, particularmente, ao nível do Ensino Básico e do Ensino Secundário Geral. A estes factores perturbadores designo-os por vícios da educação. São eles: (i) a imposição de “mínimos percentuais” de rendimento pedagógico aos professores e (ii) os critérios de classificação dos professores.
Vou discutir estes problemas tendo em conta a minha experiência de trabalho docente e de supervisão pedagógica. Procurarei mostrar que estes vícios tendem a induzir em erro os responsáveis do sector da educação ao nível superior à escola. Por razões que se prendem com os resultados negativos da 1ª época dos exames da 12ª classe, escolhi o ensino secundário geral, como foco da minha abordagem.
Dos dois pontos de abordagem, hoje proponho-me a reflectir sobre o primeiro e não mais:
(i) é sabido que os professores do ensino secundário geral são obrigados a apresentarem um rendimento pedagógico superior a 75%, havendo casos em que se exige o máximo, 100%. Até aqui nada de extraordinário. Estou de acordo que haja uma meta clara, uma ambição assumida, uma forma de exigir que os professores trabalhem para que o desempenho seja positivo. O compreensível.
Se esta situação não constitui um escândalo, então porque é negativa? Ora, reflictamos juntos: o que é significariam 100% para um professor que não domina os conteúdos da sua disciplina? O que é que seriam 100% para um professor que trabalha numa escola em que a biblioteca ou não existe, ou existe e funciona deficientemente? O que seriam 100% para um professor que se visse confrontado com ameaças de não renovar o contrato caso apresentasse um rendimento inferior a 100%? O que é que representariam 100% para um director de escola ou seus superiores hierárquicos que têm pela frente tais situações? Enfim, o que é que representam as metas para professores que vivem diariamente traumatizados, quer pelos directores, quer pelos pais/encarregados de educação, quer ainda pelos dirigentes ao nível mais alto da hierarquia do Ministério da Educação e Cultura?
Estas são apenas algumas questões, algumas reflexões. São preocupações levantadas por quem as viveu ou ainda as vive à distância. Quem manda os professores apresentarem pautas “bonitas”, pintadinhas de azul, com alunos “aprovadíssimos”, sem terem atingido níveis de desempenho satisfatório? Quem? Quem manda viciar os resultados pedagógicos para garantir o poder? Quem? Quem é que não controla as actividades lectivas, o desempenho regular dos professores e exige que eles se excedam na meta? Quem? Quem é que manda inspecções para as escolas no final de época, só quando os seus familiares reprovam? Quem? Quem manda demitir directores de escolas só porque os seus familiares reprovaram? Quem?
As respostas corresponderiam a situações verosímeis, que podem estar a acontecer, infelizmente, nas nossas escolas e que têm influenciado negativamente o desempenho de todos os envolvidos na tarefa de levar o país ao desenvolvimento. O insucesso escolar parece ter começado hoje, mas a verdade é que sempre existiu. A nossa escola ainda não está preparada para o sucesso. Qualquer dia falaremos do ensino superior, onde também estamos a criar cobras venenosas, com tantas tocas, a que damos nomes de universidades ou institutos superiores. Um dia falaremos disso. Hoje é o ensino secundário geral. Vou terminar o primeiro ponto. No próximo espaço convidar-vos-ei a reflectirmos sobre o ponto (ii).

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Resultados dos Exames da 12ª Classe Revelam Falsidades

Os resultados dos exames da 12ª classe 2008, 1ª época, começaram a ser divulgados, sábado, 27/12. A hora em que escrevo este apontamento, as reacções vindas de diversos sectores da sociedade moçambicana que me chegam através dos jornais electrónicos, conversas telefónicas e outras, apontam para uma situação de tristeza, de caos.
Ainda no sábado quando alguns colegas residentes cá em Aveiro souberam dos resultados das escolas secundárias Josina Machel e Francisco Manyanga, na cidade de Maputo, trataram de conversar comigo sobre o assunto e perguntavam-me se o ensino não estava em crise em Moçambique. Sei que esta é a questão de momento e deve estar a preocupar muita gente. O ensino está ou não em crise?
Antes de responder a esta questão, queria, primeiro, observar o seguinte: (i) esta é última classe do ensino secundário geral, aquela que antecede o ensino superior. Isto pressupõe que o graduado da 12ª classe possui competências básicas requeridas no ensino secundário geral e, consequentemente, está apto para enfrentar as exigências de um ensino universitário; (ii) a avaliação (através de testes e outras formas) é o instrumento de medição do rendimento dos alunos e dos professores (?); (iii) os exames são nacionais (e há muito que os professores de todo o país não são ouvidos. Mas, infelizmente, há o mau hábito de se afirmar que os professores elaboram propostas que estão na base dos exames. É provável que professores de algumas escolas ainda o façam, mas imagino que não sejam representativos.); (iv) deixou de haver conselhos de notas, ou seja, os resultados do exames determinam a aprovação ou reprovação do aluno. Assim, o processo de formação desse aluno, o seu percurso é subvalorizado. Será que me faço entender? Quer dizer, na prática, o aluno da 12ª classe para além de COISIFICADO, ele é avaliado por um processo que não é transparente, por um modelo que lhe é desconhecido ou que não domina. ESTA É A PONTA DO ICEBERG deste sistema educativo. Depois há questões "submersas" como por exemplo a formação do professor.
Ora, se ao PROFESSOR é lhe exigida a apresentação de um aproveitamento pedagógico acima de 75% e ele fá-lo quase sempre com alguma falsidade à mistura, pois, geralmente, os resultados que eles apresentam não são reais, então o que é que se exige à MÁQUINA de correcção? Simples: por um lado desencadeam-se acções que impulsionam a falsificação dos resultados e, por outro, activam-se mecanismos de observação da fidelidade. O resultado está a vista: "MENTIRA"!
Os resultados dos exames da 12ª classe mostram que alguém mentiu durante todo o processo, durante todo o ano. Quem será? A máquina é tão COISA como o tratamento dispensado ao infortunado aluno. Para mim ou se alfabetiza a máquina de correcção dos exames para não nos envergonhar, ou então, que se dê mais poderes ao professor; poderes de observar e validar a observação que realiza durante o ano. Que não se olhe para o professor como se de criminosos se tratasse. Ninguém deve incentivar a falsificação das notas, através de ameaças e/ou outras formas de coação.
Acho que o processo de ensino, em Moçambique, é caracterizado por "mentiras" e aquilo que em gíria se chama "jogos de cintuta". Até a maldita máquina é intrusa. Então como é que ela se meteu nisso? Quem é o professor secundário que domina e utiliza a escolha múltipla nas suas avaliações? Porque é que entrou sem avisar? Pois deve ser o problema da máquina... sim, a máquina de correcção dos exames não possui diploma e faz-se de sabichona.
E agora: há ou não crise no ensino? Se os resultados dos exames não forem falsos (acredito que não o sejam), então podemos deduzir que estamos perante uma situação de crise, porque (i) os objectivos traçados pelo Ministério da Educação e Cultura não foram alcançados e (ii) há uma grande disparidade entre as notas dos exames e as médias das frequências, o que indicia falsidades na avaliação/classificação dos alunos durante o ano. Aliás, no ano lectivo 2007, a já "famosa" máquina de correcção dos exames tinha dado essa indicação. Sendo assim, não há mais nada a esconder. Vamos erguer a nossa cabeça pensante para produzirmos um ensino de qualidade, com professores e alunos que possam fazer do exame um momento de alegria e de prazer. Neste momento, os exames são um trauma e reproduzirão esse trauma se insistirmos que tudo está bem. Identifiquemos todos os problemas que afectam este sector e encontremos as respectivas soluções. A discussão está aberta.