segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sobre a formação de professores de 12ª+1

"É da atitude do corpo docente que depende, em última análise, o sucesso ou o fracasso de uma reforma" - Jean Thomas (cf. Os grandes problemas no mundo, edições António Ramos, 1978).
Em Novembro/Dezembro, estive em Maputo-Moçambique e esta visita possibilitou-me trocar algumas impressões com os professores do ensino secundário, na região de Maputo. De um modo geral, eram professores formados na Universidade Pedagógica (UP), nos cursos de 12ª+1 (12º ano de escolaridade + 1 ano de formação psicopedagógica).
Conversámos um pouco sobre tudo inerente ao Processo de Ensino e Aprendizagem. Devo dizer que alguns dos meus interlocutores foram meus alunos no ensino secundário e queriam "matar saudades". Mas, como parte interessada, tomei nota das principais preocupações dos meus interlocutores: 1) crítica da sociedade ao modelo de formação em curso; 2) desprezo dos seus colegas por serem docentes "had hoc", entre outras lamentações.
Lembrei-me que o sistema educativo moçambicano há anos que está em reforma. Todos os subsistemas de ensino são alvos de transformações ou de reforma curricular. Provavelmente, algumas reformas curriculares não estejam a ser acompanhadas por um estudo que as justifiquem.
Vejamos o caso da UP: de 2004 a esta parte, houve duas transformações curriculares: 2004-2009 e 2010-.... A reforma de 2004 foi realizada sob o signo de revitalização da UP; foram esgrimidos argumentos excitantes, incidindo sobre a necessidade de uma prática profissionalizante e uma especialização do futuro professor. Os cursos tinham uma única saída (monovalente), contrariamente aos anteriores bivalentes. E isto pouco interessava ao Ministério da Educação, porque precisaria de contratar tantos professores para a escola. Na altura da introdução do extinto curriculo, não faltaram avisos sobre o desfasamento da realidade. Para certos sector da sociedade, a UP estava a ser irrealista. Mas, a UP acreditou nos seus quadros e nos seus meios e avançou por conta própria. Foram precisos quatro anos para a arrogância directiva dar lugar a clarividência académica. Ainda bem!
Este ano, soube, introzuiram novo curriculo. Mudaram os nomes de algumas faculdades. Não tenho elementos suficientes para analisar as reais motivações destas mudanças. Em relação a currícula, tudo indica que é um esforço no sentido de a UP se "reintegrar", na medida em que o formato de formação monovalente é mais oneroso para os cofres do Estado. No que diz respeito aos nomes das faculdades, parece-me ser uma atitude de arrogância. Não tenho resposta para a substituição do termo "Línguas" por "Ciências de Linguagem", se a vocação é o ensino de línguas. Estamos a confundir "língua" e "linguagem"? Conheço as pessoas que estão à frente do processo e não acredito nessa possibilidade. Se há alguma razão superior para esta mudança, que isto seja partilhado. Julgo que é chegada a hora para a comunidade académica discutir conhecimentos e não funções.
Durante a vigência do currículo de 2004, a UP introduziu os cursos de 12ª+1. Sei que foi uma medida vinda de cima. Sei que houve resistência da comunidade académica à implementação de tal modelo. Entretanto, a partir do momento em que a universidade assumiu a tarefa de formar docentes segundo este formato, a responsabilidade de todo o processo é exclusivamente da UP. É por esta razão que os planos curriculares foram desenhados pelos departamentos da UP.
As críticas da sociedade moçambicana relativas à qualidade dos graduados de 12ª+1 devem ter resposta firme. E isto significa que a UP deverá investir, em primeiro lugar (como o está a fazer), na formação contínua dos seus professores/docentes e garantir que estes exerçam a sua tarefa com brio. E, em segundo lugar, a UP deverá fazer o acompanhamento destes cursos em parceria com o Ministério da Educação. Julgo que tem de haver colaboração entre estas instituições para minorar os defeitos de uma eventual lacuna de formação. Aliás, como já demos conta, a missão da UP, no que concerne a estes cursos de 12ª+1, é "indireitar a árvore". Para o bom nome da instituição esta missão tem de ser cumprida. Use-se toda a metáfora e toda a tecnologia.
A reforma nada significará se não houver um compromisso dos professores da UP na formação condigna dos futuros docentes.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Cabo Verde: Um país mil imagens! (2)

Praia

Estou na cidade da Praia com o “Pmate” – Universidade de Aveiro. O meu grupo tem a missão de garantir a organização da «ii bienal de Matemática, Língua Portuguesa e Tecnologias», a ter lugar na “Protecção Civil”, antigo aeroporto da Praia. Estamos todos confiantes no sucesso.
O programa sofre algumas alterações e a minha comunicação, que seria às 14 horas, é transferida para às 10 horas de 26 de Setembro. Só desejo que haja sala cheia, muito debate, muita troca de experiência sobre a investigação do nosso português. Partilho da convicção dos que afirmam que o português que viajou para o ultramar já não é o mesmo. É esta a ideia que norteia toda a minha investigação. É este o meu desafio. Tenho estado a pensar que o ensino do Português nos países africanos de expressão portuguesa assenta em utopias. Sei que esta afirmação não é politicamente correcta, nem uma descoberta científica. Acredito que há uma associação violenta entre o Português e o insucesso escolar. Há muitas crianças a serem diariamente violentadas nas escolas para falarem o Português, por professores também eles violentados, num ciclo vicioso de reprodução do mal. Ninguém sabe ao certo que Português se está a ensinar nas nossas escolas. Sei, repito, que estou a ser politicamente incorrecto. Mas não tenho outra forma de dizer a verdade.
Estamos a 24 de Setembro de 2009. A sala de conferências está repleta de participantes. É o início da ii bienal. O que nos reservamos uns aos outros para estes três dias de encontro? As primeiras comunicações impressionam-me sobretudo pelos projectos e pela vontade de uma afirmação colectiva nas três áreas do saber referenciadas. Procuro o reencontro com o passado comum (colonial) e tenho saudades de nada saber. Diria mesmo que sofro de um apagão do tipo "papel em branco". Entretanto, não me esqueço que o Português é a minha língua - é a nossa língua!
Enquanto decorrem as apresentações, reflicto sobre a minha vida profissional. Eu devia ser professor de Matemática e Física. Depois de inscrito neste curso, decidi mudar para o curso de Português. Pois, continua esta a minha aposta, desde a adolescência. Recentemente, e a pensar no Português de Moçambique (PM) tomei outra decisão: realizar investigação em Linguística do Discurso (oral), numa mescla entre o pedagógico e o social, para entender o “o quê” e o “como” falamos. E assim rompo com as áreas tradicionais de investigação (Sintaxe, Morfologia, Leitura, Escrita e Avaliação), na Universidade Pedagógica. Rompo também com os linguistas comparativistas (que não fazem mais nada do que comparar), embora compreenda o trabalho que realizam e utilize as suas valiosas contribuições científicas.
Penso nisto tudo em plena sala de conferências. Acredito que a minha experiência poderá ampliar as amostras e provocar discussões em benefício da educação e do processo do ensino e aprendizagem, não só em Moçambique, mas também noutros países de Língua Portuguesa. Julgo que os nossos projectos de desenvolvimento no sector da educação devem ter em consideração a nossa realidade (?!). Entendo que devemos conhecer melhor o que estamos a falar para melhor decidirmos sobre o que ensinar e como ensinar nos nossos países. As reflexões apresentadas na ii bienal em todas as áreas do saber devem-nos catapultar para o aprofundamento do conhecimento da nossa realidade, acima de tudo.
A cooperação internacional só faz sentido nos termos do parágrafo anterior. Moçambique, por exemplo, regista um grande avanço na investigação educacional, quer na área das línguas, quer noutras. A discussão científica é generalizada, embora os resultados não sejam publicados (ninguém conhece os misteriosos caminhos de uma ciência da gaveta!).
Apesar disso, ainda me lembro das calorosas discussões havidas na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, nos meados da década 90, em que os temas eram o “erro” e as interferências linguísticas. Sei que aqueles debates davam sequência a duas principais investigações sobre o PM, nomeadamente, (i) a tese de Doutoramento “A Construção de uma Gramática do Português em Moçambique: Aspectos da Estrutura Argumental dos Verbos”, da Professora Perpétua Gonçalves (1990), e (ii) “O Panorama do Português Oral de Maputo”, organizado por Christopher Stroud e Perpétua Gonçalves (1997). Nessa altura (e ainda hoje), a preocupação do sector da educação era garantir melhor qualidade do ensino e reduzir o insucesso escolar.
Segundo Gonçalves (1997:45-65), o Português falado em Maputo apresenta uma série de desvios em relação ao Português Europeu (PE), nas áreas do “léxico”, “léxico - sintaxe”, “Sintaxe” e “Morfo. Sintaxe”. Alguns exemplos de “erros”:
Léxico (p.46): «não sou boa historiadora …(PE= contadora de história)»;
Léxico - Sintaxe (p.48): «Eu não concordo disso … (PE= com isso»;
Sintaxe (p.57): «dependendo da região que as pessoas vivem. … (PE = em que/onde)»;
Morfo – Sintaxe (p.62): «Há muitas dificuldade. PE= dificuldades».

Para além da comparação PM - PE, o exercício era extensivo à relação PM e línguas de origem Bantu faladas em Moçambique. Neste caso vertente, os desvios receberam designações, tais como, “interferências” e “erros”.
Nesta bienal, a discussão sobre as interferências linguísticas foi desencadeada pela comunicação de António Quino, de Angola. Pareceu-me haver unanimidade de que este é um problema comum a todas as nações africanas de Língua Portuguesa. Há evidências de que as línguas locais mudaram o português falado e estão a ditar novas normas da escrita. Note-se que processos semelhantes deram origem a novas línguas (por exemplo, os crioulos). Isto é irreversível e não precisa de decretos.
Como dizia, em Moçambique, a nossa preocupação prendia-se com a resolução dos problemas ora identificados. Questionávamos como é que um professor de Português devia proceder diante das chamadas “interferências”, como “maningue” (muito), “kanimambo” (obrigado), ou a desvios do nível da sintaxe, etc.. Que fazer? Sancionar o aluno porque “errou”, ou admitir que é PM? Ou seja, o que é que devia ser considerado “erro”?
Havia na altura, e ainda hoje deve ser assim, grupos dos “puristas” e seguidores do PE, grupos dos moderados e dos reformistas. Na verdade, os moderados e os reformistas são os que representavam os interesses do Ministério da Educação, apostado no aumento das taxas de aprovação dos alunos (à todo o custo!). À distância sinto que o problema ainda não foi resolvido. Não me parece haver solução a curto prazo. A situação atingiu o caos e precisa de uma nova ordem linguística.
Paralelamente a tudo isto, as investigações que nos são apresentadas caracterizam-se por um status quo, diria, comodismos alarmantes. Falta-nos a irreverência científica e a coragem de dizermos a verdade. Que Português é o teu? O meu é PM (falta-lhe apenas o rigor da Norma) - é um «sistema complexo», diria o Professor Constantino Tsallis.
Partilho da convicção dos participantes a «ii bienal de Matemática, Língua Portuguesa e Tecnologias» de que ESTAMOS JUNTOS neste desafio de desenvolvermos os nossos países. Até a iii bienal!

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Cabo Verde: Um país mil imagens! (1)

Mindelo
Estou em Cabo Verde! Finalmente, concretizo um sonho antigo, ido dos tempos das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa: compreender o mito deste povo cercado pelo mar e libertado pela evasão. Aprendi que o cabo-verdiano carrega sonhos de vencer o mar e quer evadir-se, mas não vai a parságada! É literatura. Será utopia?!
Chego a Mindelo (São Vicente) também eu carregado de sonhos. E chove a cântaros. Noto que as pessoas não estão acostumadas com o fenómeno, mas estão felizes. A chuva! Tenho vontade de gritar, mas olho para os meus companheiros e desisto. A chuva leva-me sempre à infância, lá na Munhava. É muito profundo o sentimento de liberdade que me invade sempre que chove. Dentro de mim eu grito de verdade. E grito e grito e grito: chove em Cabo Verde. Afinal chove! É claro que chove! Mesmo assim vou a rua. E todos nós vamos. Os antigos já diziam quem vai à chuva molha-se. E há quem se molhou. He he!
A chuva, a Baía das Gatas, as inundações, a garoupa, o teatro (o Mutumbela Gogo também estava em Mindelo!), o estômago, e… puff! Uhn:: jejum forçado. E uma menina a pensar em Ecologia. Linda paisagem!!! Estou em Cabo Verde! Tenho muitas referências. Procuro o Liceu de Mindelo e dizem-me que o tal já é um museu. Mostram-me outro Liceu. Não é a mesma coisa, pois não?! Prefiro o antigo, aquele que eu conheço das Literaturas, o Liceu dos poetas e dos prosadores. O Liceu que anunciou Mindelo a todo mundo.
Ah! A menina dos pés descalços é de Mindelo. O bom do E. faz questão de nos levar até a casa da cantora. A porta está aberta, mas, ela não está. Alguém informa-nos que a musa da morna está em digressão. Partimos. A chuva teimosamente continua a fazer estragos. A rua principal de Mindelo é um autêntico rio. Algumas artérias da cidade transformam-se em destroços. E penso no meu país e nas cheias. Será que a desgraça me acompanha ao Atlântico? Não! Não pode ser. A natureza não pode ser tão hostil comigo! Concluo que o país não está preparado para as chuvas. E se chovesse por mais uma semana?! Exorciso: sai ideia ruim! Sai da minha mente, para nunca mais voltar!
Dizem-me que vejo uma imagem rara em Cabo Verde. Acredito.
Até um dia Mindelo! Vou a Praia para a ii bienal de Matemática. Língua Portuguesa e Tecnologias.

sábado, 5 de setembro de 2009

Diversidade nas Formas de Trabalho

Os homens tendem a rotular e a estigmatizar os outros em função do trabalho que realizam. Esta prática é secular, e universal. O problema disso, como dizíamos, é o nivelamento do outro por baixo, isto é, a diferença do trabalho leva a que uns tratem os outros por infelizes, incapazes, mal sucedidos, problemáticos, etc, ou o inverso, sortudos, corruptos, chefes, etc..
Foi a pensar na diversidade nas formas de trabalho, que uma amiga me pediu para escrever sobre isso, e eu aceitei. Imagine que todos nós realizássemos o mesmo trabalho, a mesma formação profissional, o que seria da sociedade, ou particularmente, do nosso país (e cada um pense no seu caso)?

Este trabalho tem por objectivo reflectir sobre a diversidade das formas de trabalho, no contexto empresarial. O conceito de “diversidade” pode estar associado ao “distinto”, “variado”, “divergente”, entre outros termos afins. Seja qual for o termo que queiramos usar, no contexto empresarial “diversidade” implica diferença. E se ampliarmos este exercício conceitual para às “formas de trabalho”, teremos que admitir o seguinte: sendo o trabalho uma actividade intrinsecamente humana, então há uma multiplicidade de trabalho, ou se quisermos, de formas de trabalho.
A diversidade das formas de trabalho tem a ver com a natureza do próprio Homem: cultural e socialmente diverso. A estrutura das organizações da sociedade humana depende em grande medida do grau do seu desenvolvimento (baixo, médio ou alto). Por essa razão, quando falámos na diversidade das formas de trabalho, temos que considerar o Homem, a sua cultura, crenças e valores, a sua organização económica e social.
Neste sentido, podemos afirmar que toda a estrutura da organização do Homem interfere nas relações de trabalho e contribui para a diversidade das formas de trabalho. Se considerarmos que cada empresa, por exemplo, tem uma Missão a cumprir, podemos, então, afirmar que poderá haver divergência entre a “missão” da empresa e o objectivo do trabalhador. Enquanto a empresa visa satisfazer o mercado, o trabalhador tem como objectivo melhorar as suas condições de vida, isto é, individualmente, o trabalhador procura a auto - satisfação. Por outro lado, os membros da empresa (trabalhadores e empregadores) realizam actividades diferentes, o que faz com que as condições de trabalho sejam diferentes e a distribuição dos prémios também.
Nas empresas, o conceito de diversidade significa essencialmente divergência, conflito de ideias, de posturas motivado pelo assunto em discussão. De acordo com Clair Vieira de Moraes (http://www.guiarh.com.br/PAGINA22T.html), as empresas usam o conceito de Missão, de Valores, de Ética e qualidade e de Cultura, que são de capital importância para o seu funcionamento.
Segundo este autor, “se houver clareza entre Missão e valores, a Cultura organizacional deverá estar desenhada, pois a junção dos dois primeiros conceitos é que definirão a Cultura da empresa, que colocadas em prática torna-se explícita e acompanha anos a dentro a história da organização”
Como podemos imaginar, a organização da empresa é diferente da organização do indivíduo/trabalhador. O indivíduo quando integrado na empresa, ele é portador de condutas, pensamentos e posturas, que muitas vezes divergem da Missão, dos Valores e da Cultura da empresa. O indivíduo precisa ser integrado/formado de modo a satisfazer a Missão da empresa. Por outro lado, o indivíduo precisa satisfazer os seus objectivos pessoais. Para o efeito, ele actua com base em motivações e valores, que funcionam muitas vezes como princípios de vida. Esta situação pode constituir motivo para as diversidades nas formas de trabalho.
Para Clair Vieira de Moraes, as diversidades acontecem com maior frequência nas relações internas, entre áreas, dentro da mesma área e nos grupos de trabalho. Quando falamos em “formas de trabalho”, podemos dar como exemplo, o relacionamento entre o chefe e o subordinado e vice-versa; o trabalho de alto rendimento e o trabalho de baixo rendimento; o trabalho manual e o trabalho mecanizado, etc.. Actualmente, com o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação, o Homem acentuou ainda mais a diversidade nas formas de trabalho.
A diversidade nas formas de trabalho pode ser vista como um factor de unidade no trabalho e na sociedade, se considerarmos que nas relações de trabalho as pessoas tendem a complementar as suas actividades recorrendo a parcerias com os outros.
Para tornar o ambiente de trabalho satisfatório e de compromisso entre as partes, as empresas elaboram Normas de funcionamento, em forma de Lei de Trabalho, que visam o bom relacionamento, a transparência e a coerência nas acções das partes envolvidas.
Essas Normas para além de regularem o funcionamento institucional, “controlam” as emoções dos indivíduos, que em princípio não precisariam delas, pois cada um deveria “controlar-se” ou ser gerente de si próprio quando em contacto com os outros, na medida em que o indivíduo, ao solicitar emprego, deve ter em mente que a empresa precisa de um profissional íntegro, capaz de disseminar boas relações de trabalho e trazer felicidade; o indivíduo deve saber que a empresa precisa de profissionais que possam cooperar para a materialização da sua Missão e, assim, evitar atitudes e comportamentos desviantes.
Todavia, porque o indivíduo poderá “descontrolar-se” nas relações de trabalho, as Normas constituem um instrumento fundamental do funcionamento das organizações/empresas, porquanto permitem que o indivíduo possa ser responsabilizado no quadro de princípios instituídos.

domingo, 7 de junho de 2009

Poesia do desconcerto (Cont.)

A NKWAKWA – II

Kw – a – kw a cortar
Kw – a – kw a arder
Kw – a – kw a destruir
Kw – a – kw a fugir

E a natureza lá se vai
Nua
Excomungada!

Boane,aos 19 de Dezembro de 2000
Nobre Roque dos Santos


CARTA
( Ao professor )

Professor
Na tua labuta ensine-me a vida
Ensine-me o mistério das palavras
Estas que fazem o Homem uma moldura de si
E às vezes um cupido

Óh não sejas
Pro fé só
Pro fé só

Ensine-me a ser eu e mais ninguém

Boane, aos 19 de Dezembro de 2000
Garai Muari
( Nobre Roque dos Santos )


DIGRESSÃO

Os pulmões fazem sermões
nas ruas de Xipamanine
porque um irmão desconhecido
kanganysa com gesto subtil
comerciantes mamanas e tudo

Nas ruas da Munhava
o coração bate depressa
porque um mufana caga a céu nú
e espalha saibro pelo ar já nauseabundo
enquanto os ambulantes dançam ao som dos ais
comumente acordados

Aqui em Maputo
chove até dos prédios
chuva de nozes putrefactos

Coitado dos transeuntes!

Boane, aos 28 de Novembro de1991
Nobre Roque dos Santos


APELO

Eu sou um cidadão de um país
Que ainda não tem nome
Eu sou aquele cuja existência
Ainda não se falou
Mas sei que já existo antes da exploração
Cidadãos do meu país desconhecido
Reuni-vos sob a grande mafurreira
Para enxugar as lágrimas do sofrimento
Que nos legaram
E depois do chorar
Iremos votar os nossos chefes
Cidadãos do meu país ainda sem nome
Sentai-vos sob o sol quente
Na areia dos nossos bairros
E mais uma vez
Escolheremos o caminho a trilhar doravante
Cidadãos do meu país
Abrí os olhos
Que os dias estão camuflados de noites
E o inimigo escolhe o pão
Para a campanha
Cidadãos do meu país que virá
Uni-vos na luta
Pela democracia, liberdade e paz!

Boane, aos 10 de Junho de 1991
Nobre Roque dos Santos


SAUDADES

Quando pequeno tinha paz
As acácias eram alegres e amarelas
Havia cirros e chuva e celeiros pejados
Na escola o professor ensinava
O encanto da vida
As belas praias do Estoril
O percurso dos rios
A grandeza das montanhas
Ensinava a viver em paz
No bairro não dava ouvidos ao secretário
Defecava em qualquer lugar
Na rua, no mato, na latrina
Tudo em paz
Na igreja o padre Mateus
Pregava a paz ali na grande Munhava da Beira
Mabandidos andavam também em paz
Quando pequeno banhava no matope
Com fezes de mandaus, masenas, manhambanes
Tudo em paz – éramos irmãos
Agora cresci… Eis-me na grande cidade de Maputo
Um dia falei o dialecto da terra
E um desconhecido irmão cá do sul
Cichanganamente gritou: A XINGONDO!

E todos se riram. Eu também
Que saudades dos meus tempos de criança!

Boane, aos 16 de Novembro de 1991
Nobre Roque dos Santos


SONHO

Sonhei em ascensão sublime
Ao encontro de Nô Senhor
Sonhei curvado
Rogando nele feitiço grande
Para a terra
Sonhei
Soldados desertaram
Armas paralisaram
Os quartéis acabaram
E os homens na mesma casa

Sonhei a guerra acabou
Mas quando despertei
Ouvi gritos e choros e armas
Por toda a parte
Nô Senhor traiu-me!

Boane, aos 29 de Julho de 1991
Nobre Roque dos Santos


MULHER
( Às mulheres moçambicanas )


I

Na hora do crepúsculo
Louva apenas o teu ventre e o mar
Pois qualquer Homem será teu

II

Perpetuamente teus filhos
Quiça maternais
Ou universalmente moçambicanos
Não te perdoarão NUNCA a inconveniência!

Boane, 22 de Junho de 1992
Nobre Roque dos Santos


STRESS
( À Mª I. Victória )

Se não estiro
É por sensualidade
Pois no coito
Há nuvens que se dissipam
Crê!

Boane, aos 22 de Janeiro de 1996
Nobre Roque dos Santos

MENINA

Nos teus olhos
Há gente sulcando
Na ranhura sagrada do teu ego
Cuida do teu espaço confidente
Pintado de Arco-Íris
E verás as magnólias na alvura
De todos os sorrisos abrirem-se
Como pára-quedas em dias de vento lateral
Indiscretamente!

Boane, aos 03 de Dezembro de 2000
Garai Muari


AMIGA

Jamais esquecerei amiga
O percalço do nosso amor

De que vale chorar
De tanto te querer
Se os rios secaram
E as fontes da felicidade sumiram

Jamais esquecerei amiga
A dureza dos caminhos percorridos
E os voos que juntos demos
Ficam recordações do fundo
De um coração dilacerado
Que ama e vive a vida embalsamado

Jamais esquecerei amiga
A tua voz eloquente
E a lentidão dos teus passos
Sempre firmes

Jamais esquecerei amiga
O calor do teu corpo
Os teus sorrisos
As flores e o tricó das tuas pernas

A vida afinal é incerteza!

Quantos juramentos abnegados
Quantas noites imemoráveis de amor
Quantos beijos
Quanta fantasia afinal!

Jamais esquecerei amiga
O percalço do nosso amor!

Boane, 1996
Garai Muari


DORES

São dores antigas
Estas que me abraçam
E me enrolam na diáspora
Dores do abalo e da frustração
Dores de fuga para o nada
Que vale a pena recobrar a paixão ciosa
Do dia em que nasci
Dores de fracasso de uma nação
Abolida do diagrama de Deus
Dores totalmente esquecidas pelos jurados
Dores que me embalam
P’ra amar a marcha cerimonial
Dores ardentes
Dores de renascença!

Boane, aos 31 de Julho de 1991 ( de madrugada)
Nobre Roque dos Santos


CLAMOR

I

Eis-me aqui de novo
tantos sóis à espera
de sei lá quem
para me abençoar as inconveniências
de não ser gente mas preto
outra vez desterrado
lendário

Tantos sóis à espera
de sei lá quem
para me abençoar o facto
de só as mãos serem brancas
como o fundo dos olhos
na miragem de um futuro ilusório
profundo
distribuído


II

Outra vez o clamor negro
diferentemente igual
bramindo ao chicote da fome
(somos um povo!)

Outra vez a rixa dos sexos
na culturologia dos preços dilacerados
mas estridentes
(somos um povo!)

Outra vez o ribombar dos corações
escarços na alvura dos novos dias
doravante presentes
(porque somos um povo!)

III

Porque sou muitos
ó irmão da metafísica
e ouço o marulhar da minha gente
sulcando estradas e fábricas e escolas
entoando hinos da liberdade
sou luz da alma em órbita
clamando por uma vida melhor!

Boane, aos 13 de Setembro de 1995
Nobre Roque dos Santos


COLAPSO

A negrura das palavras
é o mal deste mundo

Não sei pensar sem palavras!

As plantas carregadas de flores
libertam-se com o tempo
caem as flores e germinam na terra

A renovação é cíclica

Mas o Homem não se exime das palavras
Como a terra do seu corpo!

Ó céus, ensina-me a viver sem palavras!

Boane, aos 19 de Março de 2001
Nobre Roque dos Santos

domingo, 31 de maio de 2009

Poesia do desconcerto

APAGÃO

A lua vai vai vai
Vai devagarinho beijar o sol
E não o faz sem licença
Aproxima-se com vénia e toca
Suavemente o Astro-rei
Num instante a terra eclipsa-se
Tudo sobe do solo em ais incontidos
Eis a noite mais curta do ano
Espectáculo grátis na minha terra
Grátis? Não. Eclipse custa dinheiro
Onde está escuro não se vê dinheiro
Senão sol e lua irmanados no cosmos
A nossa razão de viver são os tomates
Sem preço. É a esperança.


Boane, aos 03 de Julho de 2001
Nobre Roque dos Santos


TERRA PAGÃ

Engenhosa órbita minha terra
Quem te fez egoísta e oculta?

Meu coração partiu-se sobre as rochas
D’amargura em amargura rolando viril
Neste mundo roubado a Cristo

Quem és tu terra pagã vida ou morte?
Em teu olhar não há resposta
És sombra dos nossos antepassados
Feitos carregadores nas plantações de açucar
És espada afiada para sorver o sangue quente dos teus filhos
És a morte das vozes sopradas da diáspora
És o sensabor da virgem violentada pelos tendões
És terra sofredora descapitalizada
Ó terra dos antigos Prazeiros
Ó terra do Monomotapa
Ó terra do Mataca
Ó terra do Ngungunhana
Ó terra da Macuana
Ó terra do Changamire Dombo
Ó Céus, ampare-me!

Minha terra transfigurada
Minha pátria adúltera Sonâmbula
Terra vagabunda. Para quando a liberdade?
Responda-me ó pátria misteriosa e grite comigo
Liberdade!

Boane, aos 26 de julho de 2001
Nobre Roque dos Santos


ENGANO

Sob o teu andar
Plantei micaias
E desvendei sonhos inaudíveis de amor

Em teu olhar
Profanei os meus deuses
E jurei-te fidelidade
O ar perfumou-se então de metáforas
E tu proclamaste-me soberano
Do teu destino

A vida eclipsou nosso sonho
E desenraizou nosso amor

Hoje nosso amor é mbenga de saudades
De um sonho eclipsado

Boane, aos 01 de Março de 2001
Nobre Roque dos Santos



A NKWAKWA – I
( A Elsie )

És árvore
Cortada na angústia dos homens
És árvore
Queimada na dor da existência
E ardes em combustão

- E ardemos todos!

A tua voz ecoa pela natureza

- Socóóórró!

E choro
E grito
E sofro na angústia da cumplicidade
Da nossa destruição

No céu há braços que acenam
São nossos ancestrais
Também eles cúmplices da desgraça
Carregando as nossas cruzes

E vejo sol
E vejo terra
É o deserto nos meus olhos
Tu e eu na sobrevivência

- E ardemos todos!

Boane, aos 19 de Dezembro de 2000
Nobre Roque dos Santos



A NKWAKWA – II

Kw – a – kw a cortar
Kw – a – kw a arder
Kw – a – kw a destruir
Kw – a – kw a não repôr
O Homem desconcerta a natureza
E em seu lugar ó árvore secular
Nudez só nudez
A terra excomungada perde-se no deserto!

Boane,aos 19 de Dezembro de 2000
Nobre Roque dos Santos

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Observação na Escola

A palavra observar provém do latim observare, e quer dizer olhar ou examinar com minúcia e atenção. A acção de observar implica considerar atentamente os factos para os conhecer bem.

Alarcão e Tavares (1987:103) afirmam que no contexto escolar, a observação é o conjunto de actividades destinadas a obter dados e informações sobre o que se passa no processo de ensino/aprendizagem com a finalidade de, mais tarde, proceder a uma análise do processo numa ou noutra das variáveis em foco. Quer isto dizer que o objecto da observação pode recair num ou noutro aspecto: no aluno, no ambiente físico da sala de aula, no ambiente sócio-relacional, na utilização de materiais de ensino, na utilização do espaço ou do tempo, nos conteúdos, nos métodos, nas características dos sujeitos, etc.

Desta definição posso extrair duas ideias principais: (i) a observação é um procedimento e uma técnica de recolha de dados e (ii) os dados recolhidos devem ser analisados. Associado a estas ideias, o observador (seja ele quem for supervisor ou praticante) deve ter a consciência de que a observação escolar sendo uma actividade de pesquisa, rege-se por princípios da planificação, que compreende, segundo Gil (1996:21), os seguintes elementos: processo, eficiência, prazos e metas.

A observação pode ser considerada em duas dimensões: (i) como processo mental e (ii) como técnica organizada. Como processo mental, observar é acto de apreender coisas e acontecimentos, comportamentos e atributos pessoais e concretas inter-relações. Neste sentido ultrapassa o simples acto de ver e ouvir. É seguir o curso dos fenómenos, seleccionando aquilo que é mais importante e significativo, a partir das intenções específicas do pesquisador. Como técnica organizada, observar é um meio de medir por descrição, classificação e ordenação. Transcende a simples constatação dos dados, porquanto envolve a complementação dos sentidos por meios técnicos. Permite a apreensão directa dos fenómenos.

A observação como técnica requer:

- Especificação: os fenómenos seleccionados devem ser de possíveis mensurar, no caso de classificação e ordenação.

- Objectividade: os fenómenos devem ser descritos tal como ocorrem.
- Sistematização: a situação e os factores especiais devem ser controlados através de um planeamento cuidadoso. Requer processos de obter, seleccionar e analisar os dados.
- Validade: os resultados obtidos devem estar proporcionalmente adequados aos objectivos. A validade depende em grande parte da definição e selecção de actividades que contenham os elementos essenciais.
- Treinamento: o observador deve estar preparado para a tarefa.

Minon apud (Rudio, 1999:39) sustenta que, no sentido mais amplo, observar não se trata apenas de ver, mas sim de examinar. Não se trata somente de entender mas de auscultar. Trata-se também de ler documentos (livros, jornais, impressos diversos) na medida em que estes não somente nos informam dos resultados das observações e pesquisas feitas por outros mas traduzem também a reacção dos seus autores.

Rudio (ibidem), por sua vez, acrescenta que “observar é aplicar os sentidos a fim de obter uma determinada informação sobre algum aspecto da realidade”.

Seja qual for o conceito com que o observador estiver a operar, é fundamental recordar que a observação para ser considerada um instrumento metodológico requer uma planificação, registo adequado e deve ser submetida a controles de precisão, (Moroz & Granfaldoni, 2002:6).


Aspectos a ter em conta na observação:

(i)- Qualidades pessoais do pesquisador

De acordo com Gil (1996:20), o sucesso de uma pesquisa depende de certas qualidades intelectuais e sociais do pesquisador, dentre as quais se destacam:
- Conhecimento do assunto a ser pesquisado
- Curiosidade
- Criatividade
- Integridade intelectual
- Atitude autocorrectiva
- Sensibilidade social
- Imaginação disciplinada
- Perseverança e paciência
- Confiança na experiência

Ludke & André (2003), debruçando-se sobre os estudos etnográficos de Hall (1978), referem que um observador deve reunir, essencialmente, as seguintes características: a capacidade de tolerar ambiguidades; ser capaz de trabalhar sob sua própria responsabilidade; deve inspirar confiança; deve ser pessoalmente comprometida, autodisciplinada, sensível a si mesma e aos outros; madura e consistente; e deve ser capaz de guardar informações confidenciais.

Para além dessas qualidades pessoais, as autoras citadas consideram ser importante que o observador se preocupe “em se fazer aceito”, mostrando o seu envolvimento e comprometimento com as actividades e evitando tomar partido, ou seja, evitando ser identificado com um grupo particular.

Ludke & André (ibidem:17), concluem que

“Além dessas qualidades pessoais e das decisões que deve tomar quanto à forma e à situação de coleta dados, o observador se defronta com uma difícil tarefa, que é a de selecionar e reduzir a realidade sistematicamente. Essa tarefa exigirá certamente que ele possua um arcaboiço teórico a partir do qual seja capaz de reduzir o fenómeno em seus aspectos mais relevantes e que conheça as várias possibilidades metodológicas para abordar a realidade a fim de melhor compreendê-la e interpretá-la.”

A observação sistemática, pelas características da intensidade, planeamento e ordenação, atinge padrões científicos e objectivos. Para a sua concretização o observador deve possuir as seguintes qualidades:

- Capacidade de percepção: é a capacidade de apreender os fenómenos. O acto de percepção apresenta aspectos objectivos e subjectivos. Os subjectivos são dinamizados pela experiência anterior, pelas emoções e sentimentos, pelas motivações, sistema de acção e pensamento. O observador deve ter a capacidade de controlar tanto os aspectos objectivos, como os subjectivos.
- Capacidade de atenção: é a atenção que dirige, assegura e mantém a percepção. Permite que o observador se oriente de acordo com o foco conceptual.
- Capacidade de memorização: esta capacidade envolve fixação, reprodução, reconhecimento e evocação de algo conhecido. O observador desenvolvê-la-á até certo grau, porquanto há fenómenos que emergem em determinada situação de observação e que ela não pode registar no momento.
- Capacidade de analisar: é a capacidade de segmentar o todo observado em partes significativas, organizando-as de forma a que as relações entre as partes existentes sejam adequadamente visualizadas.
- Capacidade de generalizar: é a capacidade de chegar a afirmações categóricas, inferidas a partir da análise e interpretação dos dados.
- Capacidade de comunicação: é a capacidade de equacionar os dados, organizando o relato de forma a que possa ser compreendido e utilizado por outras pessoas.

(ii)- Recursos humanos, materiais e financeiros

A observação envolve recursos humanos. São eles os fornecedores da informação. Os recursos humanos necessitam de “materiais” (equipamentos, bibliografia e acessórios). Considerando que a observação requer deslocação, bibliografia, produção e/ou aquisição de instrumentos, o observador deve munir-se de recursos financeiros para a pesquisa. Estes três recursos são indispensáveis para uma boa observação.

Formas e meios de observação

Estrela (1994:30) realizou um estudo com vista a simplificar as acepções da palavra observação na área da Pedagogia e Ciências de Educação. Esse trabalho foi realizado pelo facto de o autor ter constatado a existência de mais de setenta vocábulos designando conceitos diferentes, semelhantes ou idênticos. Estrela entendeu que essa diversidade derivava da falta de sistematização, tendo, por isso, apresentado a seguinte proposta de sistematização a que chamou de formas e meios de observação, cujos pontos são os seguintes:

Na perspectiva da Situação ou na Atitude do Observador:
- Observação participante e não participante
- Distanciada e participada
- Intencional (ou orientada) e espontânea


Quanto ao Processo de Observação:
- Observação Sistemática e Ocasional
- Armada (ou instrumental) e desarmada
- Contínua e intermitente
- Directa e indirecta


Quanto aos aspectos e características do Campo de Observação:
- Observação molar e molecular
- Verbal e gestual
- Individual e grupal

Tipos de observação

Rudio (1999) afirma haver dois tipos de observação: a observação vulgar e a observação científica.

A observação vulgar:

É a fonte de obtenção de conhecimentos diários para o homem, sobre si próprio e sobre o mundo que o rodeia (pessoas, coisas, factos). Rudio (1999:41) afirma que pela observação vulgar o homem conhece e aprende sobre o que é útil e necessário para a sua vida, desde coisas muito simples como, por exemplo, qual o ônibus que o leva ao trabalho, qual o ponto em que deve tomar o ônibus e deve saltar, qual o estado de humor do “chefe”, pela fisionomia que apresenta, etc..

A observação vulgar pode ser feita (i) directamente: através das palavras, dos gestos e acções das pessoas, ou (ii) indirectamente: inferindo sobre os pensamentos e os sentimentos, desde que estes se manifestem em forma de palavras, gestos e acções; também se pode observar, indirectamente, as atitudes e as predisposições em relação à determinadas tarefas, pessoas, acontecimentos, etc..

A observação científica:

Segundo Rudio (1999:41), ela complementa, enriquece e aprofunda a observação vulgar, de forma a lhe dar maior validade, fidedignidade e eficácia. A observação científica pode ser de dois tipos: assistemática e sistemática.

A observação assistemática:

De acordo com Rudio (1999:41), a observação assistemática, também conhecida por ocasional, simples, não estruturada é aquela que “se realiza sem planejamento e sem controle anteriormente elaborados, como decorrência de fenómenos que surgem de imprevisto”.

A observação sistemática, designada também, por planificada, estruturada ou controlada é a que se realiza em condições controladas para se responder a propósitos, que foram anteriormente definidos. Requer planificação e necessita de operações específicas para o seu desenvolvimento.

A observação sistemática sustenta-se a partir dos seguintes elementos:

- Por que observar (motivações)?
- Para que observar (objectivos)?
- Como observar (instrumentos)?
- O que observar (o campo de observação)?
- Quem observa (sujeito)?

Em relação à pergunta por que observar, o pressuposto é de que ninguém observa sem motivos. Pretende-se, como resposta, que se diga aquilo que leva o sujeito a olhar e examinar com precisão. Por exemplo, se um sujeito intenta em assistir a uma aula deverá dizer o que o move a fazê-lo. Com base nessa pergunta o observador explicita os motivos da observação.

A questão para que observar remete o observador a pensar na definição dos objectivos. Esta pergunta equivale a qual é a finalidade da observação ou o que se pretende alcançar com a observação? O objectivo de uma observação, na escola, pode ser, por exemplo, conhecer fisicamente a escola e suas infra-estruturas; conhecer a organização e funcionamento do sector pedagógico e administrativo da escola; conhecer a composição dos grupos de disciplina, em particular o de Português; acompanhar a aplicação das normas que regem o funcionamento da escola como instituição de ensino.

Haverá, certamente, muitos e diferentes objectivos para a realização de uma observação na escola. É fundamental que o observador tenha sempre em mente a estrutura física e organizacional de uma escola para a formulação dos objectivos. Tendo essa estrutura básica de uma escola, os objectivos da observação serão fundamentalmente os seguintes:

- Conhecer fisicamente a escola e suas infra-estruturas;
- Conhecer a organização e funcionamento do sector pedagógico e administrativo da escola;
- Conhecer a composição dos grupos de disciplina;
- Acompanhar a aplicação das normas que regem o funcionamento da escola como instituição de ensino.

Para Estrela (1994:26), a observação visa contribuir para a afirmação de uma atitude experimental. Este autor afirma que “só através de uma prática pedagógica de carácter científica se tornará possível ultrapassar o empirismo e fazer inflectir definitivamente a atitude tradicional que reduz a pedagogia a uma arte”.

De acordo com o autor citado, o investigador precisa saber observar e problematizar, ou seja, interrogar a realidade e construir hipóteses explicativas e depois intervir e avaliar.

No que diz respeito a pergunta como observar, a resposta remete-nos à abordagem sobre a selecção de instrumentos de observação. Esses instrumentos podem ser: inquéritos, diários, entrevistas, questionários.

Sobre a questão o que observar, a resposta tem a ver com a delimitação do campo de observação. Se pensarmos, por exemplo, numa escola, o campo de observação é a escola. Esse campo, pode ser restringido em função dos objectivos previamente definidos. Assim, poderá o observador seleccionar a sala de aulas, o sector pedagógico, o sector administrativo, etc.

A pergunta quem observa tem como resposta o sujeito. Em situação das Práticas Pedagógicas, o sujeito pode ser, por exemplo, o supervisor, o praticante, o tutor. O sujeito da observação pode desempenhar o papel de um planificador e, simultaneamente, de um executor da observação, o que é aconselhável, ou ainda, assumir o papel de um mero executor de um programa de observação.


Métodos de recolha de dados: observação, entrevista e análise documental:

Há vários métodos de recolha de dados. Para efeitos deste trabalho, destacam-se a observação, a entrevista e a análise documental. Neste trabalho destaco o método de observação.

Na observação, o pesquisador inicia a busca de dados preocupado com a apreensão da totalidade do fenómeno, mas sempre atento ao foco de seu interesse. Por isso, a observação torna-se um processo selectivo, que possibilita uma análise mais detalhada do problema de investigação.

De acordo com Bogdan e Biklen (1982), apud Ludke e André (2003), o conteúdo da observação deve compreender uma parte descritiva e outra mais reflexiva. A parte descritiva deve ser um registo detalhado do que ocorre no campo e incidir sobre:

(i) “Descrição dos sujeitos”. Sua aparência física, seu modo de vestir, de falar e de agir.
(ii) “Reconstrução de diálogos”. As palavras, os gestos, os depoimentos, as observações feitas entre os sujeitos ou entre estes e o pesquisador devem ser registados. É preciso usar as palavras dos observados. As citações são bastante importantes para analisar, interpretar e apresentar os dados.
(iii) “Descrição de locais”. O ambiente onde é feita a observação deve ser descrito. O uso de desenhos ilustrando a disposição dos móveis, o espaço físico, a apresentação visual do quadro de giz, dos cartazes, dos materiais de classe podem também ser elementos importantes a ser registados.
(iv) “Descrição de eventos especiais”. As anotações devem incluir o que ocorreu, quem estava envolvido e como se deu esse envolvimento.
(v) “Descrição das actividades”. Devem ser descritas as actividades gerais e os comportamentos das pessoas observadas, sem deixar de registar a sequência em que ambos ocorrem.
(vi) “Os comportamentos do observador”. Sendo o principal instrumento da pesquisa, é importante que o observador inclua nas suas anotações as suas atitudes, acções e conversas com os participantes durante o estudo.

Ainda de acordo com Bogdan e Biklen (1982), apud Ludke e André (2003), a componente reflexiva das anotações inclui as observações pessoais do pesquisador, feitas durante a fase de colecta, nomeadamente, suas especulações, sentimentos, problemas, ideias, impressões, pré-concepções, dúvidas, incertezas, surpresas e decepções. Essas reflexões podem ser, por exemplo, do tipo:

(i) “Reflexões analíticas”. Referem-se ao que está sendo “aprendido” no estudo, isto é, temas que estão emergindo, associações e relações entre partes, novas ideias surgidas.
(ii) “Reflexões metodológicas”. Nestas estão envolvidos os procedimentos e estratégias metodológicas utilizados, as decisões sobre o delineamento (design) do estudo, os problemas encontrados na obtenção dos dados e a forma de resolvê-los.
(iii) “Dilemas éticos e conflitos”. Aqui entram as questões surgidas no relacionamento com os informante, quando podem surgir conflitos entre a responsabilidade profissional do pesquisador e o compromisso com os sujeitos.
(iv) “Mudanças na perspectiva do observador”. É importante que sejam anotadas as expectativas, opiniões, preconceitos e conjecturas do observador e sua evolução durante o estudo.
(v) “Esclarecimentos necessários”. As anotações devem também conter pontos a serem esclarecidos, aspectos que parecem confusos, relações, relações a serem explicitadas, elementos que necessitam de maior exploração.

Estas anotações (descritivas e reflexivas) devem ser encaradas como sugestões para uma observação consciente e visam facilitar a organização de dados de estudo; esta listagem não tem a pretensão de ser uma receita.


BIBLIOGRAFIA

ALARCÃO, I. e TAVARES, J.. Supervisão da Prática Pedagógica, uma perspectiva
de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Livraria Almedina, 1987

ESTRELA, A.. Teoria e Prática de Observação de Classes, Uma estratégia de Formação de Professores. 4ª edição. Porto, Porto Editora, 1994.

GIL, António Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 3ª edição. São Paulo, Editora Atlas, 1996.

LUDKE, M. & ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. 6ª edição. São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária (EPU), 2003.

MOROZ, M. & GRANFALDONI, M.. O Processo de pesquisa: iniciação. Brasília, Editora Plano, 2002.

RUDIO, F., V.. Introdução ao Projeto de Pesquisa Científica. 24ª edição. Petrópolis, Vozes, 1999.