sexta-feira, 19 de março de 2010

Expansão do ensino superior e qualidade (2)

2. Sobre a avaliação. A questão da avaliação do ensino superior está ligada aos objectivos e às estratégias que norteiam o funcionamento dos estabelecimentos deste nível. É uma matéria complexa que não cabe nestas linhas.
Antes de tecer quaisquer considerações sobre as matérias aqui arroladas, quero lembrar que neste espaço alimento utopias, e parece-me que a massificação do ensino superior seja um objectivo também utópico. Importa recordar que, todos os anos, as nossas crianças lutam por um lugar na escola. E a nossa escola ainda não têm lugar para todos. O objectivo de Jomtien (1990) está a ser uma miragem. O mesmo se pode dizer do direito à educação a que todos, mulheres e homens de todas as idades, no mundo inteiro têm direito. Não ignoro os nossos esforços por uma educação para todos. Muito temos feito, é verdade, mas também muito nos temos dispersado e confundido. A confusão deve absoluta a ponto de pensarmos que o nosso principal objectivo é o ensino superior. Não pode ser. Parece-me que andamos a brincar às universidades, quando no lugar de garantirmos um lugar para todos no ensino básico e secundário, queimamos etapas (corta-mato) em direcção às universidades e/ou instituições equiparadas.
E agora? As universidades já existem, mal criadas ou não, elas estão lá no terreno e a funcionar. Que passos devemos dar para as tornar mais operacionais, mais dinâmicas, mais competitivas? A avaliação será imprescindível? Eu julgo que ela já vem tarde. Refiro-me à avaliação institucional. Embora saiba que qualquer indicador de avaliação pode ser susceptível de discussão, é defensável que haja algum critério de abono, um instrumento fiável de medição da qualidade das nossas instituições. Então, temos que avançar no sentido de definirmos os indicadores. Temos referências? Tantas. Até podemos, como se diz em latim, “mutadis mutandis”, a partir das grandes referências que tivermos.
Como devemos todos saber (às vezes esquecemo-nos), a avaliação é um processo selectivo por excelência. Os resultados de uma avaliação indicam se algo vai bem ou mal. Não nos esqueçamos disso. Pode ser que estejamos a pedir algo que nos vai fazer “mal”. Os resultados devem ser usados para separar, manter ou promover. Isto deve estar claro. Se for para brincarmos às avaliações, é melhor ficarmos por aqui.
O passo que pretendemos dar, poderá indicar-nos que alguns cursos não são universitários, ou no pior cenário, que alguns estabelecimentos de ensino superior não são universidades. Também poderá indicar-nos (porque não?), que alguns cursos ou universidades são dos melhores que há neste planeta.
Temos que libertar as mentes para que as universidades surjam fortes e dinâmicas no mundo do conhecimento.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Expansão do ensino superior e qualidade (1)

Há dois dias, um colega enviou-me textos sobre o ensino superior e a avaliação da qualidade. Um artigo escrito por alguém que me parece dominar este tipo de questões. No essencial, a articulista censurava os que instituem indicadores de qualidade para a avaliação do ensino superior. O meu colega ao enviar-me o texto, fê-lo com o propósito de suscitar um debate. Eu que não sou especialista em avaliação, mas bastante intrometido no assunto, aliás, em assuntos de educação, fiquei por elaborar uma reflexão alargada à expansão do ensino superior. Porque sou politicamente incorrecto, tenho evitado que as minhas utopias agitem o político e interfiram nas decisões de governos. E quero continuar nesta linha, embora seja inevitável alguma irreverência...política. Vamos por partes:
1. sobre a expansão do ensino superior: quem pensou nisto? não sei. Mas posso imaginar que seja esta a vontade de muitos moçambicanos ávidos em estudar próximo dos locais de residência. Acho que a medida é por demais acertada. Irá evitar que continue a haver "deslocados" de escola, aqueles que abandonam as suas famílias e viajam à procura de uma escola, uma universidade em terras bem longíquas das suas e não voltam às suas origens. Há muitos deslocados de escola no meu país. Este grupo de indivíduos hoje olha para trás e tem um misto de saudade e revolta por nada poder fazer para mudar o curso de (sub)desenvolvimento dos seus bairros e cidades. São pessoas como eu, deslocadas: a escola deslocou-me da Munhava (Beira). Apesar de estar de acordo com o espírito que norteia a expansão do ensino superior, não posso deixar de criticar a forma e os procedimentos usados. A forma tem a ver com as infraestruturas (edificios e equipamento) e os procedimentos com o funcionamento (basicamente corpo docente, gestão de recursos e avaliação).
No que diz respeito às infraestruturas, tenho reparado que as unidades de expansão, ou melhor, expandidas, estão, na sua maioria, mal equipadas (deficiente ou enexistente serviço bibliotecário; deficiente ou inexistente laboratório; salas de aulas mal equipadas, etc.). Estas e outras anomalias condicionam os serviços universitários e a aceitação dos graduados no mercado do trabalho. Para agravar a situação dos potenciais utilizadores destas universidades, a selecção do corpo docente é feita, geralmente, com base no critério único de certificação, isto é, basta o candidato (?!) apresentar um certificado universitário para ser elegível. Parece já não contar a experiência, a média, a capacidade de trabalhar sob pressão, o ter feito uma pós-graduação, etc.. Paralelamente a tudo isto, parece-me que a gestão das universidades esteja a ser feita fora delas. Isto retira a autonomia e a criatividade que se pretende nas instituições do ensino superior. Falta às universidades, a verdadeira autonomia nas decisões que ela toma, se é que as toma.
Como dizia uma colega, até atingir o caos. Se não tivermos condições para sustentarmos as universidades é preferível andarmos devagar. Como diz o ditado "correr não é chegar". Eu quero universidade inclusive no meu bairro. Mas, tem de ser universidade! Este tempo é para nos afirmarmos em África e no mundo. A expansão do ensino superior tem de ser realizada com sucesso. Seguramente, se todos nós estivermos envolvidos neste esforço, digo, se o esforço de expansão não for de um grupo, mas de todos nós, há maior possibilidade de êxito. Todavia, tratando-se de universidade, o esforço não deve ser popular, mas científico. A tarefa da universidade é produzir conhecimento e servir a sociedade. Quando isto não acontece, a sociedade enfraquece, torna-se vulnerável e depende das outras nações.
É preciso não termos ilusões sobre a natureza de uma universidade. A sociedade moçambicana deve deixar de dar lições aos académicos e cientistas, porque actos políticos menos conseguidos podem banalizar a missão destes e demiti-los de suas responsabilidades sociais. A universidade não precisa de lições sobre o seu desenvolvimento. Ela afirma-se através da observação contínua dos fenómenos que a rodeiam e pela introspecção. Por isso, precisa de estabilidade.
Julgo que é chegado o momento de estabelecer uma moratória de pelo menos cinco anos para consolidar as instituições e avaliar os resultados. Haja coragem!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sobre a formação de professores de 12ª+1

"É da atitude do corpo docente que depende, em última análise, o sucesso ou o fracasso de uma reforma" - Jean Thomas (cf. Os grandes problemas no mundo, edições António Ramos, 1978).
Em Novembro/Dezembro, estive em Maputo-Moçambique e esta visita possibilitou-me trocar algumas impressões com os professores do ensino secundário, na região de Maputo. De um modo geral, eram professores formados na Universidade Pedagógica (UP), nos cursos de 12ª+1 (12º ano de escolaridade + 1 ano de formação psicopedagógica).
Conversámos um pouco sobre tudo inerente ao Processo de Ensino e Aprendizagem. Devo dizer que alguns dos meus interlocutores foram meus alunos no ensino secundário e queriam "matar saudades". Mas, como parte interessada, tomei nota das principais preocupações dos meus interlocutores: 1) crítica da sociedade ao modelo de formação em curso; 2) desprezo dos seus colegas por serem docentes "had hoc", entre outras lamentações.
Lembrei-me que o sistema educativo moçambicano há anos que está em reforma. Todos os subsistemas de ensino são alvos de transformações ou de reforma curricular. Provavelmente, algumas reformas curriculares não estejam a ser acompanhadas por um estudo que as justifiquem.
Vejamos o caso da UP: de 2004 a esta parte, houve duas transformações curriculares: 2004-2009 e 2010-.... A reforma de 2004 foi realizada sob o signo de revitalização da UP; foram esgrimidos argumentos excitantes, incidindo sobre a necessidade de uma prática profissionalizante e uma especialização do futuro professor. Os cursos tinham uma única saída (monovalente), contrariamente aos anteriores bivalentes. E isto pouco interessava ao Ministério da Educação, porque precisaria de contratar tantos professores para a escola. Na altura da introdução do extinto curriculo, não faltaram avisos sobre o desfasamento da realidade. Para certos sector da sociedade, a UP estava a ser irrealista. Mas, a UP acreditou nos seus quadros e nos seus meios e avançou por conta própria. Foram precisos quatro anos para a arrogância directiva dar lugar a clarividência académica. Ainda bem!
Este ano, soube, introzuiram novo curriculo. Mudaram os nomes de algumas faculdades. Não tenho elementos suficientes para analisar as reais motivações destas mudanças. Em relação a currícula, tudo indica que é um esforço no sentido de a UP se "reintegrar", na medida em que o formato de formação monovalente é mais oneroso para os cofres do Estado. No que diz respeito aos nomes das faculdades, parece-me ser uma atitude de arrogância. Não tenho resposta para a substituição do termo "Línguas" por "Ciências de Linguagem", se a vocação é o ensino de línguas. Estamos a confundir "língua" e "linguagem"? Conheço as pessoas que estão à frente do processo e não acredito nessa possibilidade. Se há alguma razão superior para esta mudança, que isto seja partilhado. Julgo que é chegada a hora para a comunidade académica discutir conhecimentos e não funções.
Durante a vigência do currículo de 2004, a UP introduziu os cursos de 12ª+1. Sei que foi uma medida vinda de cima. Sei que houve resistência da comunidade académica à implementação de tal modelo. Entretanto, a partir do momento em que a universidade assumiu a tarefa de formar docentes segundo este formato, a responsabilidade de todo o processo é exclusivamente da UP. É por esta razão que os planos curriculares foram desenhados pelos departamentos da UP.
As críticas da sociedade moçambicana relativas à qualidade dos graduados de 12ª+1 devem ter resposta firme. E isto significa que a UP deverá investir, em primeiro lugar (como o está a fazer), na formação contínua dos seus professores/docentes e garantir que estes exerçam a sua tarefa com brio. E, em segundo lugar, a UP deverá fazer o acompanhamento destes cursos em parceria com o Ministério da Educação. Julgo que tem de haver colaboração entre estas instituições para minorar os defeitos de uma eventual lacuna de formação. Aliás, como já demos conta, a missão da UP, no que concerne a estes cursos de 12ª+1, é "indireitar a árvore". Para o bom nome da instituição esta missão tem de ser cumprida. Use-se toda a metáfora e toda a tecnologia.
A reforma nada significará se não houver um compromisso dos professores da UP na formação condigna dos futuros docentes.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Cabo Verde: Um país mil imagens! (2)

Praia

Estou na cidade da Praia com o “Pmate” – Universidade de Aveiro. O meu grupo tem a missão de garantir a organização da «ii bienal de Matemática, Língua Portuguesa e Tecnologias», a ter lugar na “Protecção Civil”, antigo aeroporto da Praia. Estamos todos confiantes no sucesso.
O programa sofre algumas alterações e a minha comunicação, que seria às 14 horas, é transferida para às 10 horas de 26 de Setembro. Só desejo que haja sala cheia, muito debate, muita troca de experiência sobre a investigação do nosso português. Partilho da convicção dos que afirmam que o português que viajou para o ultramar já não é o mesmo. É esta a ideia que norteia toda a minha investigação. É este o meu desafio. Tenho estado a pensar que o ensino do Português nos países africanos de expressão portuguesa assenta em utopias. Sei que esta afirmação não é politicamente correcta, nem uma descoberta científica. Acredito que há uma associação violenta entre o Português e o insucesso escolar. Há muitas crianças a serem diariamente violentadas nas escolas para falarem o Português, por professores também eles violentados, num ciclo vicioso de reprodução do mal. Ninguém sabe ao certo que Português se está a ensinar nas nossas escolas. Sei, repito, que estou a ser politicamente incorrecto. Mas não tenho outra forma de dizer a verdade.
Estamos a 24 de Setembro de 2009. A sala de conferências está repleta de participantes. É o início da ii bienal. O que nos reservamos uns aos outros para estes três dias de encontro? As primeiras comunicações impressionam-me sobretudo pelos projectos e pela vontade de uma afirmação colectiva nas três áreas do saber referenciadas. Procuro o reencontro com o passado comum (colonial) e tenho saudades de nada saber. Diria mesmo que sofro de um apagão do tipo "papel em branco". Entretanto, não me esqueço que o Português é a minha língua - é a nossa língua!
Enquanto decorrem as apresentações, reflicto sobre a minha vida profissional. Eu devia ser professor de Matemática e Física. Depois de inscrito neste curso, decidi mudar para o curso de Português. Pois, continua esta a minha aposta, desde a adolescência. Recentemente, e a pensar no Português de Moçambique (PM) tomei outra decisão: realizar investigação em Linguística do Discurso (oral), numa mescla entre o pedagógico e o social, para entender o “o quê” e o “como” falamos. E assim rompo com as áreas tradicionais de investigação (Sintaxe, Morfologia, Leitura, Escrita e Avaliação), na Universidade Pedagógica. Rompo também com os linguistas comparativistas (que não fazem mais nada do que comparar), embora compreenda o trabalho que realizam e utilize as suas valiosas contribuições científicas.
Penso nisto tudo em plena sala de conferências. Acredito que a minha experiência poderá ampliar as amostras e provocar discussões em benefício da educação e do processo do ensino e aprendizagem, não só em Moçambique, mas também noutros países de Língua Portuguesa. Julgo que os nossos projectos de desenvolvimento no sector da educação devem ter em consideração a nossa realidade (?!). Entendo que devemos conhecer melhor o que estamos a falar para melhor decidirmos sobre o que ensinar e como ensinar nos nossos países. As reflexões apresentadas na ii bienal em todas as áreas do saber devem-nos catapultar para o aprofundamento do conhecimento da nossa realidade, acima de tudo.
A cooperação internacional só faz sentido nos termos do parágrafo anterior. Moçambique, por exemplo, regista um grande avanço na investigação educacional, quer na área das línguas, quer noutras. A discussão científica é generalizada, embora os resultados não sejam publicados (ninguém conhece os misteriosos caminhos de uma ciência da gaveta!).
Apesar disso, ainda me lembro das calorosas discussões havidas na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, nos meados da década 90, em que os temas eram o “erro” e as interferências linguísticas. Sei que aqueles debates davam sequência a duas principais investigações sobre o PM, nomeadamente, (i) a tese de Doutoramento “A Construção de uma Gramática do Português em Moçambique: Aspectos da Estrutura Argumental dos Verbos”, da Professora Perpétua Gonçalves (1990), e (ii) “O Panorama do Português Oral de Maputo”, organizado por Christopher Stroud e Perpétua Gonçalves (1997). Nessa altura (e ainda hoje), a preocupação do sector da educação era garantir melhor qualidade do ensino e reduzir o insucesso escolar.
Segundo Gonçalves (1997:45-65), o Português falado em Maputo apresenta uma série de desvios em relação ao Português Europeu (PE), nas áreas do “léxico”, “léxico - sintaxe”, “Sintaxe” e “Morfo. Sintaxe”. Alguns exemplos de “erros”:
Léxico (p.46): «não sou boa historiadora …(PE= contadora de história)»;
Léxico - Sintaxe (p.48): «Eu não concordo disso … (PE= com isso»;
Sintaxe (p.57): «dependendo da região que as pessoas vivem. … (PE = em que/onde)»;
Morfo – Sintaxe (p.62): «Há muitas dificuldade. PE= dificuldades».

Para além da comparação PM - PE, o exercício era extensivo à relação PM e línguas de origem Bantu faladas em Moçambique. Neste caso vertente, os desvios receberam designações, tais como, “interferências” e “erros”.
Nesta bienal, a discussão sobre as interferências linguísticas foi desencadeada pela comunicação de António Quino, de Angola. Pareceu-me haver unanimidade de que este é um problema comum a todas as nações africanas de Língua Portuguesa. Há evidências de que as línguas locais mudaram o português falado e estão a ditar novas normas da escrita. Note-se que processos semelhantes deram origem a novas línguas (por exemplo, os crioulos). Isto é irreversível e não precisa de decretos.
Como dizia, em Moçambique, a nossa preocupação prendia-se com a resolução dos problemas ora identificados. Questionávamos como é que um professor de Português devia proceder diante das chamadas “interferências”, como “maningue” (muito), “kanimambo” (obrigado), ou a desvios do nível da sintaxe, etc.. Que fazer? Sancionar o aluno porque “errou”, ou admitir que é PM? Ou seja, o que é que devia ser considerado “erro”?
Havia na altura, e ainda hoje deve ser assim, grupos dos “puristas” e seguidores do PE, grupos dos moderados e dos reformistas. Na verdade, os moderados e os reformistas são os que representavam os interesses do Ministério da Educação, apostado no aumento das taxas de aprovação dos alunos (à todo o custo!). À distância sinto que o problema ainda não foi resolvido. Não me parece haver solução a curto prazo. A situação atingiu o caos e precisa de uma nova ordem linguística.
Paralelamente a tudo isto, as investigações que nos são apresentadas caracterizam-se por um status quo, diria, comodismos alarmantes. Falta-nos a irreverência científica e a coragem de dizermos a verdade. Que Português é o teu? O meu é PM (falta-lhe apenas o rigor da Norma) - é um «sistema complexo», diria o Professor Constantino Tsallis.
Partilho da convicção dos participantes a «ii bienal de Matemática, Língua Portuguesa e Tecnologias» de que ESTAMOS JUNTOS neste desafio de desenvolvermos os nossos países. Até a iii bienal!

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Cabo Verde: Um país mil imagens! (1)

Mindelo
Estou em Cabo Verde! Finalmente, concretizo um sonho antigo, ido dos tempos das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa: compreender o mito deste povo cercado pelo mar e libertado pela evasão. Aprendi que o cabo-verdiano carrega sonhos de vencer o mar e quer evadir-se, mas não vai a parságada! É literatura. Será utopia?!
Chego a Mindelo (São Vicente) também eu carregado de sonhos. E chove a cântaros. Noto que as pessoas não estão acostumadas com o fenómeno, mas estão felizes. A chuva! Tenho vontade de gritar, mas olho para os meus companheiros e desisto. A chuva leva-me sempre à infância, lá na Munhava. É muito profundo o sentimento de liberdade que me invade sempre que chove. Dentro de mim eu grito de verdade. E grito e grito e grito: chove em Cabo Verde. Afinal chove! É claro que chove! Mesmo assim vou a rua. E todos nós vamos. Os antigos já diziam quem vai à chuva molha-se. E há quem se molhou. He he!
A chuva, a Baía das Gatas, as inundações, a garoupa, o teatro (o Mutumbela Gogo também estava em Mindelo!), o estômago, e… puff! Uhn:: jejum forçado. E uma menina a pensar em Ecologia. Linda paisagem!!! Estou em Cabo Verde! Tenho muitas referências. Procuro o Liceu de Mindelo e dizem-me que o tal já é um museu. Mostram-me outro Liceu. Não é a mesma coisa, pois não?! Prefiro o antigo, aquele que eu conheço das Literaturas, o Liceu dos poetas e dos prosadores. O Liceu que anunciou Mindelo a todo mundo.
Ah! A menina dos pés descalços é de Mindelo. O bom do E. faz questão de nos levar até a casa da cantora. A porta está aberta, mas, ela não está. Alguém informa-nos que a musa da morna está em digressão. Partimos. A chuva teimosamente continua a fazer estragos. A rua principal de Mindelo é um autêntico rio. Algumas artérias da cidade transformam-se em destroços. E penso no meu país e nas cheias. Será que a desgraça me acompanha ao Atlântico? Não! Não pode ser. A natureza não pode ser tão hostil comigo! Concluo que o país não está preparado para as chuvas. E se chovesse por mais uma semana?! Exorciso: sai ideia ruim! Sai da minha mente, para nunca mais voltar!
Dizem-me que vejo uma imagem rara em Cabo Verde. Acredito.
Até um dia Mindelo! Vou a Praia para a ii bienal de Matemática. Língua Portuguesa e Tecnologias.

sábado, 5 de setembro de 2009

Diversidade nas Formas de Trabalho

Os homens tendem a rotular e a estigmatizar os outros em função do trabalho que realizam. Esta prática é secular, e universal. O problema disso, como dizíamos, é o nivelamento do outro por baixo, isto é, a diferença do trabalho leva a que uns tratem os outros por infelizes, incapazes, mal sucedidos, problemáticos, etc, ou o inverso, sortudos, corruptos, chefes, etc..
Foi a pensar na diversidade nas formas de trabalho, que uma amiga me pediu para escrever sobre isso, e eu aceitei. Imagine que todos nós realizássemos o mesmo trabalho, a mesma formação profissional, o que seria da sociedade, ou particularmente, do nosso país (e cada um pense no seu caso)?

Este trabalho tem por objectivo reflectir sobre a diversidade das formas de trabalho, no contexto empresarial. O conceito de “diversidade” pode estar associado ao “distinto”, “variado”, “divergente”, entre outros termos afins. Seja qual for o termo que queiramos usar, no contexto empresarial “diversidade” implica diferença. E se ampliarmos este exercício conceitual para às “formas de trabalho”, teremos que admitir o seguinte: sendo o trabalho uma actividade intrinsecamente humana, então há uma multiplicidade de trabalho, ou se quisermos, de formas de trabalho.
A diversidade das formas de trabalho tem a ver com a natureza do próprio Homem: cultural e socialmente diverso. A estrutura das organizações da sociedade humana depende em grande medida do grau do seu desenvolvimento (baixo, médio ou alto). Por essa razão, quando falámos na diversidade das formas de trabalho, temos que considerar o Homem, a sua cultura, crenças e valores, a sua organização económica e social.
Neste sentido, podemos afirmar que toda a estrutura da organização do Homem interfere nas relações de trabalho e contribui para a diversidade das formas de trabalho. Se considerarmos que cada empresa, por exemplo, tem uma Missão a cumprir, podemos, então, afirmar que poderá haver divergência entre a “missão” da empresa e o objectivo do trabalhador. Enquanto a empresa visa satisfazer o mercado, o trabalhador tem como objectivo melhorar as suas condições de vida, isto é, individualmente, o trabalhador procura a auto - satisfação. Por outro lado, os membros da empresa (trabalhadores e empregadores) realizam actividades diferentes, o que faz com que as condições de trabalho sejam diferentes e a distribuição dos prémios também.
Nas empresas, o conceito de diversidade significa essencialmente divergência, conflito de ideias, de posturas motivado pelo assunto em discussão. De acordo com Clair Vieira de Moraes (http://www.guiarh.com.br/PAGINA22T.html), as empresas usam o conceito de Missão, de Valores, de Ética e qualidade e de Cultura, que são de capital importância para o seu funcionamento.
Segundo este autor, “se houver clareza entre Missão e valores, a Cultura organizacional deverá estar desenhada, pois a junção dos dois primeiros conceitos é que definirão a Cultura da empresa, que colocadas em prática torna-se explícita e acompanha anos a dentro a história da organização”
Como podemos imaginar, a organização da empresa é diferente da organização do indivíduo/trabalhador. O indivíduo quando integrado na empresa, ele é portador de condutas, pensamentos e posturas, que muitas vezes divergem da Missão, dos Valores e da Cultura da empresa. O indivíduo precisa ser integrado/formado de modo a satisfazer a Missão da empresa. Por outro lado, o indivíduo precisa satisfazer os seus objectivos pessoais. Para o efeito, ele actua com base em motivações e valores, que funcionam muitas vezes como princípios de vida. Esta situação pode constituir motivo para as diversidades nas formas de trabalho.
Para Clair Vieira de Moraes, as diversidades acontecem com maior frequência nas relações internas, entre áreas, dentro da mesma área e nos grupos de trabalho. Quando falamos em “formas de trabalho”, podemos dar como exemplo, o relacionamento entre o chefe e o subordinado e vice-versa; o trabalho de alto rendimento e o trabalho de baixo rendimento; o trabalho manual e o trabalho mecanizado, etc.. Actualmente, com o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação, o Homem acentuou ainda mais a diversidade nas formas de trabalho.
A diversidade nas formas de trabalho pode ser vista como um factor de unidade no trabalho e na sociedade, se considerarmos que nas relações de trabalho as pessoas tendem a complementar as suas actividades recorrendo a parcerias com os outros.
Para tornar o ambiente de trabalho satisfatório e de compromisso entre as partes, as empresas elaboram Normas de funcionamento, em forma de Lei de Trabalho, que visam o bom relacionamento, a transparência e a coerência nas acções das partes envolvidas.
Essas Normas para além de regularem o funcionamento institucional, “controlam” as emoções dos indivíduos, que em princípio não precisariam delas, pois cada um deveria “controlar-se” ou ser gerente de si próprio quando em contacto com os outros, na medida em que o indivíduo, ao solicitar emprego, deve ter em mente que a empresa precisa de um profissional íntegro, capaz de disseminar boas relações de trabalho e trazer felicidade; o indivíduo deve saber que a empresa precisa de profissionais que possam cooperar para a materialização da sua Missão e, assim, evitar atitudes e comportamentos desviantes.
Todavia, porque o indivíduo poderá “descontrolar-se” nas relações de trabalho, as Normas constituem um instrumento fundamental do funcionamento das organizações/empresas, porquanto permitem que o indivíduo possa ser responsabilizado no quadro de princípios instituídos.

domingo, 7 de junho de 2009

Poesia do desconcerto (Cont.)

A NKWAKWA – II

Kw – a – kw a cortar
Kw – a – kw a arder
Kw – a – kw a destruir
Kw – a – kw a fugir

E a natureza lá se vai
Nua
Excomungada!

Boane,aos 19 de Dezembro de 2000
Nobre Roque dos Santos


CARTA
( Ao professor )

Professor
Na tua labuta ensine-me a vida
Ensine-me o mistério das palavras
Estas que fazem o Homem uma moldura de si
E às vezes um cupido

Óh não sejas
Pro fé só
Pro fé só

Ensine-me a ser eu e mais ninguém

Boane, aos 19 de Dezembro de 2000
Garai Muari
( Nobre Roque dos Santos )


DIGRESSÃO

Os pulmões fazem sermões
nas ruas de Xipamanine
porque um irmão desconhecido
kanganysa com gesto subtil
comerciantes mamanas e tudo

Nas ruas da Munhava
o coração bate depressa
porque um mufana caga a céu nú
e espalha saibro pelo ar já nauseabundo
enquanto os ambulantes dançam ao som dos ais
comumente acordados

Aqui em Maputo
chove até dos prédios
chuva de nozes putrefactos

Coitado dos transeuntes!

Boane, aos 28 de Novembro de1991
Nobre Roque dos Santos


APELO

Eu sou um cidadão de um país
Que ainda não tem nome
Eu sou aquele cuja existência
Ainda não se falou
Mas sei que já existo antes da exploração
Cidadãos do meu país desconhecido
Reuni-vos sob a grande mafurreira
Para enxugar as lágrimas do sofrimento
Que nos legaram
E depois do chorar
Iremos votar os nossos chefes
Cidadãos do meu país ainda sem nome
Sentai-vos sob o sol quente
Na areia dos nossos bairros
E mais uma vez
Escolheremos o caminho a trilhar doravante
Cidadãos do meu país
Abrí os olhos
Que os dias estão camuflados de noites
E o inimigo escolhe o pão
Para a campanha
Cidadãos do meu país que virá
Uni-vos na luta
Pela democracia, liberdade e paz!

Boane, aos 10 de Junho de 1991
Nobre Roque dos Santos


SAUDADES

Quando pequeno tinha paz
As acácias eram alegres e amarelas
Havia cirros e chuva e celeiros pejados
Na escola o professor ensinava
O encanto da vida
As belas praias do Estoril
O percurso dos rios
A grandeza das montanhas
Ensinava a viver em paz
No bairro não dava ouvidos ao secretário
Defecava em qualquer lugar
Na rua, no mato, na latrina
Tudo em paz
Na igreja o padre Mateus
Pregava a paz ali na grande Munhava da Beira
Mabandidos andavam também em paz
Quando pequeno banhava no matope
Com fezes de mandaus, masenas, manhambanes
Tudo em paz – éramos irmãos
Agora cresci… Eis-me na grande cidade de Maputo
Um dia falei o dialecto da terra
E um desconhecido irmão cá do sul
Cichanganamente gritou: A XINGONDO!

E todos se riram. Eu também
Que saudades dos meus tempos de criança!

Boane, aos 16 de Novembro de 1991
Nobre Roque dos Santos


SONHO

Sonhei em ascensão sublime
Ao encontro de Nô Senhor
Sonhei curvado
Rogando nele feitiço grande
Para a terra
Sonhei
Soldados desertaram
Armas paralisaram
Os quartéis acabaram
E os homens na mesma casa

Sonhei a guerra acabou
Mas quando despertei
Ouvi gritos e choros e armas
Por toda a parte
Nô Senhor traiu-me!

Boane, aos 29 de Julho de 1991
Nobre Roque dos Santos


MULHER
( Às mulheres moçambicanas )


I

Na hora do crepúsculo
Louva apenas o teu ventre e o mar
Pois qualquer Homem será teu

II

Perpetuamente teus filhos
Quiça maternais
Ou universalmente moçambicanos
Não te perdoarão NUNCA a inconveniência!

Boane, 22 de Junho de 1992
Nobre Roque dos Santos


STRESS
( À Mª I. Victória )

Se não estiro
É por sensualidade
Pois no coito
Há nuvens que se dissipam
Crê!

Boane, aos 22 de Janeiro de 1996
Nobre Roque dos Santos

MENINA

Nos teus olhos
Há gente sulcando
Na ranhura sagrada do teu ego
Cuida do teu espaço confidente
Pintado de Arco-Íris
E verás as magnólias na alvura
De todos os sorrisos abrirem-se
Como pára-quedas em dias de vento lateral
Indiscretamente!

Boane, aos 03 de Dezembro de 2000
Garai Muari


AMIGA

Jamais esquecerei amiga
O percalço do nosso amor

De que vale chorar
De tanto te querer
Se os rios secaram
E as fontes da felicidade sumiram

Jamais esquecerei amiga
A dureza dos caminhos percorridos
E os voos que juntos demos
Ficam recordações do fundo
De um coração dilacerado
Que ama e vive a vida embalsamado

Jamais esquecerei amiga
A tua voz eloquente
E a lentidão dos teus passos
Sempre firmes

Jamais esquecerei amiga
O calor do teu corpo
Os teus sorrisos
As flores e o tricó das tuas pernas

A vida afinal é incerteza!

Quantos juramentos abnegados
Quantas noites imemoráveis de amor
Quantos beijos
Quanta fantasia afinal!

Jamais esquecerei amiga
O percalço do nosso amor!

Boane, 1996
Garai Muari


DORES

São dores antigas
Estas que me abraçam
E me enrolam na diáspora
Dores do abalo e da frustração
Dores de fuga para o nada
Que vale a pena recobrar a paixão ciosa
Do dia em que nasci
Dores de fracasso de uma nação
Abolida do diagrama de Deus
Dores totalmente esquecidas pelos jurados
Dores que me embalam
P’ra amar a marcha cerimonial
Dores ardentes
Dores de renascença!

Boane, aos 31 de Julho de 1991 ( de madrugada)
Nobre Roque dos Santos


CLAMOR

I

Eis-me aqui de novo
tantos sóis à espera
de sei lá quem
para me abençoar as inconveniências
de não ser gente mas preto
outra vez desterrado
lendário

Tantos sóis à espera
de sei lá quem
para me abençoar o facto
de só as mãos serem brancas
como o fundo dos olhos
na miragem de um futuro ilusório
profundo
distribuído


II

Outra vez o clamor negro
diferentemente igual
bramindo ao chicote da fome
(somos um povo!)

Outra vez a rixa dos sexos
na culturologia dos preços dilacerados
mas estridentes
(somos um povo!)

Outra vez o ribombar dos corações
escarços na alvura dos novos dias
doravante presentes
(porque somos um povo!)

III

Porque sou muitos
ó irmão da metafísica
e ouço o marulhar da minha gente
sulcando estradas e fábricas e escolas
entoando hinos da liberdade
sou luz da alma em órbita
clamando por uma vida melhor!

Boane, aos 13 de Setembro de 1995
Nobre Roque dos Santos


COLAPSO

A negrura das palavras
é o mal deste mundo

Não sei pensar sem palavras!

As plantas carregadas de flores
libertam-se com o tempo
caem as flores e germinam na terra

A renovação é cíclica

Mas o Homem não se exime das palavras
Como a terra do seu corpo!

Ó céus, ensina-me a viver sem palavras!

Boane, aos 19 de Março de 2001
Nobre Roque dos Santos