A NKWAKWA – II
Kw – a – kw a cortar
Kw – a – kw a arder
Kw – a – kw a destruir
Kw – a – kw a fugir
E a natureza lá se vai
Nua
Excomungada!
Boane,aos 19 de Dezembro de 2000
Nobre Roque dos Santos
CARTA
( Ao professor )
Professor
Na tua labuta ensine-me a vida
Ensine-me o mistério das palavras
Estas que fazem o Homem uma moldura de si
E às vezes um cupido
Óh não sejas
Pro fé só
Pro fé só
Ensine-me a ser eu e mais ninguém
Boane, aos 19 de Dezembro de 2000
Garai Muari
( Nobre Roque dos Santos )
DIGRESSÃO
Os pulmões fazem sermões
nas ruas de Xipamanine
porque um irmão desconhecido
kanganysa com gesto subtil
comerciantes mamanas e tudo
Nas ruas da Munhava
o coração bate depressa
porque um mufana caga a céu nú
e espalha saibro pelo ar já nauseabundo
enquanto os ambulantes dançam ao som dos ais
comumente acordados
Aqui em Maputo
chove até dos prédios
chuva de nozes putrefactos
Coitado dos transeuntes!
Boane, aos 28 de Novembro de1991
Nobre Roque dos Santos
APELO
Eu sou um cidadão de um país
Que ainda não tem nome
Eu sou aquele cuja existência
Ainda não se falou
Mas sei que já existo antes da exploração
Cidadãos do meu país desconhecido
Reuni-vos sob a grande mafurreira
Para enxugar as lágrimas do sofrimento
Que nos legaram
E depois do chorar
Iremos votar os nossos chefes
Cidadãos do meu país ainda sem nome
Sentai-vos sob o sol quente
Na areia dos nossos bairros
E mais uma vez
Escolheremos o caminho a trilhar doravante
Cidadãos do meu país
Abrí os olhos
Que os dias estão camuflados de noites
E o inimigo escolhe o pão
Para a campanha
Cidadãos do meu país que virá
Uni-vos na luta
Pela democracia, liberdade e paz!
Boane, aos 10 de Junho de 1991
Nobre Roque dos Santos
SAUDADES
Quando pequeno tinha paz
As acácias eram alegres e amarelas
Havia cirros e chuva e celeiros pejados
Na escola o professor ensinava
O encanto da vida
As belas praias do Estoril
O percurso dos rios
A grandeza das montanhas
Ensinava a viver em paz
No bairro não dava ouvidos ao secretário
Defecava em qualquer lugar
Na rua, no mato, na latrina
Tudo em paz
Na igreja o padre Mateus
Pregava a paz ali na grande Munhava da Beira
Mabandidos andavam também em paz
Quando pequeno banhava no matope
Com fezes de mandaus, masenas, manhambanes
Tudo em paz – éramos irmãos
Agora cresci… Eis-me na grande cidade de Maputo
Um dia falei o dialecto da terra
E um desconhecido irmão cá do sul
Cichanganamente gritou: A XINGONDO!
E todos se riram. Eu também
Que saudades dos meus tempos de criança!
Boane, aos 16 de Novembro de 1991
Nobre Roque dos Santos
SONHO
Sonhei em ascensão sublime
Ao encontro de Nô Senhor
Sonhei curvado
Rogando nele feitiço grande
Para a terra
Sonhei
Soldados desertaram
Armas paralisaram
Os quartéis acabaram
E os homens na mesma casa
Sonhei a guerra acabou
Mas quando despertei
Ouvi gritos e choros e armas
Por toda a parte
Nô Senhor traiu-me!
Boane, aos 29 de Julho de 1991
Nobre Roque dos Santos
MULHER
( Às mulheres moçambicanas )
I
Na hora do crepúsculo
Louva apenas o teu ventre e o mar
Pois qualquer Homem será teu
II
Perpetuamente teus filhos
Quiça maternais
Ou universalmente moçambicanos
Não te perdoarão NUNCA a inconveniência!
Boane, 22 de Junho de 1992
Nobre Roque dos Santos
STRESS
( À Mª I. Victória )
Se não estiro
É por sensualidade
Pois no coito
Há nuvens que se dissipam
Crê!
Boane, aos 22 de Janeiro de 1996
Nobre Roque dos Santos
MENINA
Nos teus olhos
Há gente sulcando
Na ranhura sagrada do teu ego
Cuida do teu espaço confidente
Pintado de Arco-Íris
E verás as magnólias na alvura
De todos os sorrisos abrirem-se
Como pára-quedas em dias de vento lateral
Indiscretamente!
Boane, aos 03 de Dezembro de 2000
Garai Muari
AMIGA
Jamais esquecerei amiga
O percalço do nosso amor
De que vale chorar
De tanto te querer
Se os rios secaram
E as fontes da felicidade sumiram
Jamais esquecerei amiga
A dureza dos caminhos percorridos
E os voos que juntos demos
Ficam recordações do fundo
De um coração dilacerado
Que ama e vive a vida embalsamado
Jamais esquecerei amiga
A tua voz eloquente
E a lentidão dos teus passos
Sempre firmes
Jamais esquecerei amiga
O calor do teu corpo
Os teus sorrisos
As flores e o tricó das tuas pernas
A vida afinal é incerteza!
Quantos juramentos abnegados
Quantas noites imemoráveis de amor
Quantos beijos
Quanta fantasia afinal!
Jamais esquecerei amiga
O percalço do nosso amor!
Boane, 1996
Garai Muari
DORES
São dores antigas
Estas que me abraçam
E me enrolam na diáspora
Dores do abalo e da frustração
Dores de fuga para o nada
Que vale a pena recobrar a paixão ciosa
Do dia em que nasci
Dores de fracasso de uma nação
Abolida do diagrama de Deus
Dores totalmente esquecidas pelos jurados
Dores que me embalam
P’ra amar a marcha cerimonial
Dores ardentes
Dores de renascença!
Boane, aos 31 de Julho de 1991 ( de madrugada)
Nobre Roque dos Santos
CLAMOR
I
Eis-me aqui de novo
tantos sóis à espera
de sei lá quem
para me abençoar as inconveniências
de não ser gente mas preto
outra vez desterrado
lendário
Tantos sóis à espera
de sei lá quem
para me abençoar o facto
de só as mãos serem brancas
como o fundo dos olhos
na miragem de um futuro ilusório
profundo
distribuído
II
Outra vez o clamor negro
diferentemente igual
bramindo ao chicote da fome
(somos um povo!)
Outra vez a rixa dos sexos
na culturologia dos preços dilacerados
mas estridentes
(somos um povo!)
Outra vez o ribombar dos corações
escarços na alvura dos novos dias
doravante presentes
(porque somos um povo!)
III
Porque sou muitos
ó irmão da metafísica
e ouço o marulhar da minha gente
sulcando estradas e fábricas e escolas
entoando hinos da liberdade
sou luz da alma em órbita
clamando por uma vida melhor!
Boane, aos 13 de Setembro de 1995
Nobre Roque dos Santos
COLAPSO
A negrura das palavras
é o mal deste mundo
Não sei pensar sem palavras!
As plantas carregadas de flores
libertam-se com o tempo
caem as flores e germinam na terra
A renovação é cíclica
Mas o Homem não se exime das palavras
Como a terra do seu corpo!
Ó céus, ensina-me a viver sem palavras!
Boane, aos 19 de Março de 2001
Nobre Roque dos Santos