quinta-feira, 2 de maio de 2013

As disfluências verbais em contexto pedagógico




INTRODUÇÃO


Em Moçambique existem cerca de 20 línguas de origem Bantu que integram as Zonas G, P, N e S (Guthrie, 1967), e também línguas de origem asiática, tais como o Urdu, o Gujurati, o Indi e o Memane (Lopes, 2004).
Foi neste contexto linguístico que decorreu a nossa pesquisa entre 21 de Abril de 2008 e 5 de Setembro de 2008. Neste período, observamos e gravámos 40 aulas de Português (2011,39 minutos), leccionadas por quinze professores, das seguintes escolas: Colégio Académico da Beira, Escola Comercial de Maputo, Escola Sec. Josina Machel, Escola Sec. Nelson Mandela e Escola Sec. Joaquim Chissano. A selecção das turmas dependeu da disponibilidade dos professores.
Neste trabalho, apresentamos os resultados da pesquisa no que diz respeito às pausas silenciosas e às REP produzidas por professores e alunos das escolas já mencionadas.


 1.    PAUSAS SILENCIOSAS
Os dados em análise sugerem que os professores usam a PS essencialmente para a organização textual-interactiva, quer como estratégia para a estruturação do seu discurso na introdução e mudança de tópicos (1), quer como estratégia para auxiliar a estruturação do discurso do outro, o aluno (2):
(1)
187.Professora: Falta de responsabilidade. Não sabe a quem entregou o caderno {pp} Acentuar a palavra "já". {pp}[1] Deixe um pouquinho. Deixa lá um pouco {pp} Samuel ainda não voltou? Onde é que está o Samuel?…Samito Samito…Seja breve {pp}...Vamos corrigindo…o exercício da F[2]10...Vamos prestar atenção à F10. {pp} Sim. (Escola Sec. Josina Machel: aula 2)
(2)
32.Professora: então a interpretação da segunda [REP] da segunda frase requer eh:: associação… Estão a perceber? {pp} Então podemos [AB] o tempo é muito escasso {pp}...Linguagem conotativa (figurada) [REP] plurissignificativa {pp} plurissignificativa:… possui {pp} e possui um carácter dinâmico {pp} E possui um carácter dinâmico…não possui um valor estático {pp} possui um valor estático…TPC[3]. Eh: vocês já ouviram falar de figuras de estilo? (Escola Comercial de Maputo: aula 1)
 Em (1), as PS ocorrem entre enunciados com valor de coordenação. Neste exemplo, cada um dos segmentos discursivos seguido de pausa é uma frase que pode ser considerada independentemente da outra.

Em (2), ocorrem dois tipos de PS, nomeadamente as pausas fluentes e as pausas em contextos sintácticos ou junções fonémicos em que não está prevista a pausa. Observamos também a mudança de ideias pelo falante. Relativamente a este procedimento, Clark e Wasow (1998: 201) afirmam que os falantes quando mudam de ideias, podem suspender o discurso e acrescentar ou substituir palavras que já tinham sido produzidas.
As pausas que ocorrem em (1) e (2) constituem «silêncios prolongados» que podem permitir ao falante melhor planificação e execução do discurso. Porque são pausas para a demarcação dos constituintes, entendemos que estamos perante pausas fluentes. Esta estratégia discursiva acompanhada de REP de segmentos frásicos possibilita que o ouvinte (o aluno) se organize para registar os seus apontamentos.
No que diz respeito ao aluno, o seu discurso também é caracterizado pela ocorrência de pausas silenciosas. Os dados permitiram-nos identificar a pausa que evidencia o silêncio do aluno enquanto executa o discurso (3), e a pausa que evidencia o silêncio do aluno por incapacidade de resolver um problema em breve espaço de tempo (4).
(3)
74.Professor: o que é um país independente?
75.Jhoice: um país independente é aquele que não depende dos outros. Moçambique um pouco antes estava: dependente porque: {pp} ahn::. (Colégio Académico da Beira: aula 1)
(4)
233.Professora: Valda. Valda vai ao quadro. Lê…Vamos lá ser breves. Vamos a F[4]12 e 13…Quem vai ao quadro dos rapazes? Inocêncio vai ao quadro. Vacha não acertou?…Seja breve ó Inocêncio...{pp} F F13 {pp}...Porquê pai com inicial maiúscula? Inocêncio: {pp} Menos conversa {pp} Ó Inocêncio ahn?…Como é que interrompe esta palavra ahn?…A Vacha só/ Vacha não. Valda. Valda só está a adivinhar.
234.Valda: s’tora não estou a adivinhar. Estou a fazer.
(…)
255.Professora: Iara pastilha tira da boca...Seja breve. Menos comentário…Vamos a F13. F13. Inocêncio.
256.Inocêncio: “Come pois o teu pai está a tua espera”.
257.Professora: “Come pois o teu pai está a tua espera”. Como é que fica isso?
258.Inocêncio: primeira oração: “Come pois o teu pai”.
259.Alunos vários: ih:: ((risos)). (Escola Sec. Josina Machel: aula 2)
Em (3), ocorre a pausa hesitativa seguida de uma pausa preenchida com prolongamento. Em casos semelhantes, os falantes introduzem uma pausa plena ou uma pausa preenchida quando não conseguem formular uma frase de uma só vez. Isto traduz dificuldades de planificação e execução do discurso (Clark e Wasow, 1998: 201).
Em (4), o aluno Inocêncio só dá resposta após a insistência da professora. Durante algum tempo fica em silêncio, que co-ocorre com outras intervenções, tanto da professora, como da sua colega Valda.
Para Marcuschi (2006: 51), «os silêncios intraturnos, com uma certa duração e no contexto de um padrão entoacional característico (reiteração de pausas), são prováveis hesitações, sobretudo se vierem em contextos sintácticos ou junções fonémicas em que não é prevista pausa».
 2.    AS REPETIÇÕES
Segundo Ribeiro (2006: 18), retomando a tipologia de Strassel (2004), as REP integram a categoria de disfluências de edição (revisões, recomeços e repetições). Considerando a complexidade do tema, a nossa abordagem incidirá sobre as funções da REP. Por uma questão metodológica, os tópicos lexicais repetidos aparecerão entre chavetas.
Segundo Marcuschi (1992, 1999 e 2006), as REP podem desempenhar funções discursivas e funções textuais:
 
FUNÇÕES DISCURSIVAS
As «funções discursivas têm um carácter ético vinculado à compreensão, aos objectivos argumentativos e aos fenómenos da interacção». As suas «marcas» são de auxílio à compreensão do ouvinte, de organização do tópico discursivo, de argumentação e de promoção da interacção entre os falantes (Marcuschi, 1992: 114 ss).
A MARCA DE AUXÍLIO À COMPREENSÃO DO OUVINTE desempenha as funções específicas de intensificação, rema-tema e esclarecimento:
a)      Função de intensificação:
A intensificação (também designada ênfase) «obedece a uma espécie de princípio de iconicidade, segundo o qual a um maior volume de linguagem idêntica em posição idêntica corresponde um maior volume de informação» (Marcuschi, 2006:238).
(5):
39.Professor: {mais contribuições}. Barroso! {pp} Desvantagens da internet. {pp} Quais são as desvantagens?…Naquele tempo mas/ quer dizer havia aqueles telefones {alô} {alô} {alô… Então né hoje estamos a encontrar o televisor o:: a:: celu-/ celular a internet...(Colégio Académico da Beira: aula 3)
Como podemos observar, o professor usa a REP do termo “alô” para dar ênfase e transmitir a ideia das dificuldades resultantes da utilização do telefone no tempo por ele afirmado.
b)     Função de rema↔tema:
No exemplo a seguir (6), a aluna Wongay retoma os tópicos da aula anterior, falando da importância da Língua Portuguesa. Ao repetir a expressão língua lusófona, transforma-a em tema discursivo, pois discorre sobre ele. Assim, o rema passou a tema do enunciado seguinte:
(6)
28.Wongay: eu vou falar de/ [AB] vou resumir todas as aulas. Não vou dizer praticamente tudo mas vou expor dados básicos. Na primeira aula nós falámos da: importância {pp} da Língua Portuguesa... Uma das importâncias que nós tiramos foi que a Língua Portuguesa é: {uma língua lusófona}. Neste caso {língua lusófona} nós podemos dizer que é uma língua que muitos países têm como língua oficial portuguesa...(Colégio Académico da Beira: aula 2)
 
c)      Função de esclarecimento:
As REP com a função de esclarecimento «explicitam as informações com expansões sucessivas, seja pela REP com variação, seja com paráfrases».
Em (7), a REP e esclarecimento  recai sobre a palavra “farma”[5]:
(7)
15.Tina: a minha avó vive uhn:: na Massaca II. Tem uma farma uhn:: grande.
(…)
33.Professora: não é?…Então a tua avó tem uma {farma:} e o que é uma {farma}?
34.Alunos vários: uma {machamba[6]}.
(…)
(Escola Sec. Joaquim Chissano: aula 1)
 A MARCA DA ORGANIZAÇÃO DO TÓPICO DISCURSIVO aparece com as funções de introdução do tópico, reintrodução do tópico, delimitação do tópico e condução e manutenção de tópico:
 a)      Função de introdução de tópico:
Durante as aulas, observamos que o professor usava a expressão “mais contribuições” REP (5) com a função principal de organização tópica. O tópico “internet” desencadeia novos tópicos, como as vantagens e desvantagens da internet.
 b)  Função de reintrodução de tópico:
Trata-se de uma estratégia de retoma, após a interrupção de um tópico para dar lugar ao desenvolvimento de um tópico paralelo. A retoma ocorre no ponto onde se deu a interrupção da oração, através de um MD do tipo então eu estava explicando, seguido da REP da mesma oração que foi interrompida. Neste caso, a reintrodução de tópico é literal e realizada pelo mesmo falante.
Contudo, na sala de aula, a reintrodução de tópico pode ser feita por outros falantes e assumir outras características. É o que observamos em (8), onde a Matriz (M) ocorre na fala 108 e a REP distante, na fala 118.
A reintrodução do tópico (“esforço nas aulas”) é feita através da oração “…Voltando à ideia inicial da Fáira”, seguida da REP “Ela disse que nem todos costumam {esforçar-se [para ganhar]}”:
 (8)
108. Fáira: se a pessoa quer ganhar a pessoa {esforça}-se. Ela pode conseguir. … Não é eu entrar no campo a saber que vou perder. Mas a pensar ganhar não me {esforçar} tanto para ganhar. {Esforçar}-me do estilo vou perder. Eu quero ganhar mas sabendo que vou perder. Aí a pessoa não sabe o que quer porque ela quer ganhar. Ela tem que entrar no campo a pensar que vou ganhar...{Esforçar}-se para ganhar.
 (…)
111.Nélio: s’tora voltando ao que Sheila disse sobre a aula de Desenho [sobreposição de vozes. Uma aluna: ih!]. Isso é assunto para se falar na reunião da turma.
(…)
115.Professora: na aula da reunião da turma…Agora estamos a falar de {esforço} na (…).
118.Nélio: s’tora segundo ponto. Voltando à ideia inicial da Fáira. Ela disse que nem todos costumam {esforçar}-se... Aqui eu posso dizer que há pessoas que aparecem com TPC[7] feito boas notas e tudo mas não se {esforçam}. (Escola Sec. Joaquim Chissano: aula 1)
 c)   Função de delimitação de tópico:
A delimitação de um tópico dá-se com a REP da construção que retoma a M que introduziu esse tópico. A reprodução da M pode ser parcial (9a.6) ou total (9b.26).
(9a)
6.Silvio: {a internet tem a vantagem de nos facilitar a vida}. Por exemplo como diz o próprio texto podemos fazer compras baixar músicas ou coisas parecidas. Eh:: actualizar-se nas notícias {então a internet veio para: nos facilitar a vida}. (Colégio Académico da Beira: aula 3)
(9b)
26. Ricardo: eh:: {ao longo do primeiro trimestre} [sobreposição de vozes. Professor: fala mais alto!] {ao longo do primeiro trimestre} eh:: nas primeiras aulas falámos sobre a importância da Língua Portuguesa… (Colégio Académico da Beira: aula 2)
 d)  Função de condução e manutenção de tópico:
A REP com a função de condução e manutenção de tópico caracteriza-se pela presença constante de um item lexical (5). A REP constante da palavra internet é acompanhada de uma estratégia discursiva de expansão tópica, cujos nós são os subtópicos (vantagens e desvantagens da internet). É assim que ocorre a manutenção do tópico.
 FUNÇÕES TEXTUAIS
As funções textuais têm como «marcas» a formulação e a coesão (Marcuschi, 1992 e 2006).
 FUNÇÃO TEXTUAL DE FORMULAÇÃO
A formulação diz respeito às estruturas utilizadas pelo falante para compor as suas contribuições. As suas marcas são a «reconstrução de estruturas», a «correcção», a «expansão», a «parentização» e o «enquadramento» (Marcuschi, 1992 e 2006). A estas formas nós acrescentamos a «hesitação».
a)      Marca de hesitação:
 (10)
102.Pryesh: {democracia} é:: um país {democrático} é aquele que:: que:: tem um:: um governante que:: a sua ideia ou a sua lei pode se:r como posso dizer professor pode ser contrariada por exemplo no parlamento. {Democracia} é:: moçambicanos exprimirem a sua ideia sobre a governação ou sobre as leis.
103.Professor: sim Barroso.
104.Barroso: eu acho que Democracia é:: uma política onde todos (quase têm) suas opiniões. Pode ser. Acho que é isso.
105.Profesor: Walter!
106.Walter: {democracia} {pp} {Democracia} {pp} {Democracia} é como se fosse assim ehn:: e:: o::: pode assim opiniões há opiniões assim numa reunião assim cada um dá a sua opinião e depois vão balançar as opiniões e chegarão a conclusão. (Colégio Académico da Beira: aula 1)
 Em (10), encontramos a auto-REP e a hetero-REP. A auto-REP ocorre nas falas 102 e 106. Nestas duas falas, as REP resultam de dificuldades que os alunos têm na definição do termo “democracia”. Em consequência disso, dá-se um corte no fluxo informacional que é sinalizado por pausas preenchidas. Como podemos observar, sobretudo no caso das auto-REP, elas são hesitações.
A hesitação distingue-se da correcção nos seguintes termos:
Um critério de distinção entre hesitação e correcção é o que diz respeito ao estágio de desenvolvimento da formulação/reformulação textual. Nos casos de ocorrência de hesitação, detecta-se uma interrupção no fluxo informacional, devido a uma dificuldade de selecção de um ou mais termos do enunciado, resultando um enunciado ainda não concluído do ponto de vista da organização sintagmática. Por outro lado, instaura-se uma correcção num ponto em que uma selecção inadequada já se efectivou, isto é, o enunciado é concluído do ponto de vista sintagmático, mas é necessário reformulá-lo, por motivos já expostos. (Fávero, Andrade e Aquino, 2006: 261)
b)  Marca de correcção:
 (11)
87.Professora: ahn? Perceberam o exemplo do substantivo colectivo …“turma” {pp} {acham que é/ que é um substantivo colectivo?} {Acham que “turma” é substantivo colectivo?}
88.Alunos vários: sim:: ((Coro)) [Sobreposição de vozes. Outros: não::].
89.Professora: quem é que disse sim porquê? Sim. Porquê? {pp} {Quando é que é um substantivo colectivo de verdade?} {pp} {Quando é que é um substantivo colectivo?} (Escola Sec. Nelson Mandela: aula 1)
 
Em (11), a REP resulta de uma correcção. Como afirmam Fávero, Andrade e Aquino (2006: 258), «corrigir é produzir um enunciado linguístico (enunciado reformulador – ER) que reformula um anterior (enunciado – fonte – EF), considerado “errado” aos olhos de um dos interlocutores».
O uso da REP em 11, fala 89 visa resolver o problema de formulação resultante do emprego da expressão “de verdade”. Ao proceder à reformulação da pergunta, a professora não só repete a pergunta “Quando é que é um substantivo colectivo?”, mas também corrige o erro.
Neste caso, a correcção é uma actividade de reformulação retrospectiva e de realização textual-interactiva. A correcção, neste exemplo, não anula a pergunta, mas apenas rectifica-a.
 FUNÇÃO TEXTUAL DE COESÃO
A coesão «um dos princípios básicos na composição textual-discursiva relativa ao encadeamento intra e interfrástico no plano da cotextualidade e pode ser vista em duas perspectivas: a coesão sequencial e referencial» (Marcuschi, 2006: 233).
 A coesão sequencial:
A coesão sequencial apresenta como recursos a listagem, as amálgamas sintácticas e os enquadramentos sintáctico-discursivos.
 a)      Listagem:
A REP “mais contribuições”, em (5), desencadeia a retoma das intervenções dos alunos pelo professor, que as apresenta sequencialmente, numa listagem de informação.
 Exemplo de listagem:
(12)
21.Pryesh: eh:: {no primeiro} trimestre nós {falamos} ah:: {a primeira} aula foi sobre os {textos poéticos}. {Falamos sobre} {textos poéticos} {sobre} rimas ah: depois {falamos sobre} {tipo de linguagem}. Dissemos que existem três {tipos de linguagem} que são {linguagem verbal} {linguagem não verbal} e {linguagem} mista (…). Ah: {falamos também sobre} ah:: ah:: conjunções ah:: {falamos sobre} as locuções ah: {orações} subordinadas e {orações} subordinantes eh:: {falamos também sobre} {textos normativos} como por exemplo a Constituição da República é um {texto normativo} indica {normas} ou regras que devem seguir. (Colégio Académico da Beira: aula 1)
 A coesão referencial:
Segundo Marcuschi (1992: 120), «dois elementos se repetem referencialmente quando têm o mesmo referente, seja ele um indivíduo, um objecto, um facto ou conteúdo proposicional». A REP referencial pode ser por «denominação do referente» ou por «confirmação do referente».
 a)      Coesão referencial por denominação do referente:
Trata-se da REP de um mesmo elemento linguístico, REP literal, na mesma posição sintáctica, geralmente em posição pós-verbal (Marcuschi, 1992: 121). Por exemplo:
 (13)
2.Professora: olhem ele vai {filmar a aula}. Vai {filmar a a:ula} as intervenções; ele quer ver o diálogo como vocês falam enfim então tentem lá uhn? podem aparecer na televisão ((risos))…é feio ehn. ((risos)). (Escola Sec. Joaquim Chissano: aula 1)
 
b)     Coesão referencial por confirmação do referente:
Esta função da REP ocorre quando se verifica «uma reduplicação no mesmo ambiente sintáctico com a intercalação de um breve comentário (um marcador conversacional de confirmação) entre a M e a REP» (Marcuschi, 1992:121).
 (14)
31.Professora: então ajudem a ela. Acham que é faúma?
32.Alunos vários: não [REP]. [Sobreposição de vozes. Aluno: s’tora ela não quis dizer {farma}? Outro aluno: sim.]
33.Professora: não é? Ela quis dizer {farma} né? [Sobreposição de vozes. Alunos: sim {farma}]. Então a tua avó tem {uma farma:} e o que é uma {farma}? (Escola Sec. Joaquim Chissano: aula 1)
 
NOTAS FINAIS
Através desta pesquisa trouxemos dados que sugerem que o discurso na sala de aulas é disfluente, caracterizado sobretudo pelo uso de PS e REP.
De uma forma geral, os professores são os que mais usam pausas e repetições de palavras. Este é apenas um estágio de uma investigação, que pretendemos seja discutido e continuado por todos os que se interessam pela análise do discurso. Para aprofundar as matérias aqui discutidas, recomendamos a leitura integral da nossa Tese de Doutoramento disponível em ria repositório institucional da Universidade de Aveiro (http://hdl.handle.net/10773/3763).

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[1] {pp}=pausa


[2] F=frase


[3] TPC=trabalho para casa


[4] F é abreviatura de Frase. As frases do exercício estão enumeradas.


[5] Quinta ou propriedade agro-pecuária.


[6] Campo de cultivo.


[7] Trabalho para casa.




A situação do português e o ensino de línguas em Moçambique


RESUMO (comunicação apresentada no dia 2 de Maio de 2013 - VII jornadas da LP - Beira)
 
 Nesta comunicação, irei reflectir sobre “A situação do português e o ensino de línguas em Moçambique”, título que atribui a um caderno editado pelo Projecto Matemática e Ensino (Pmate) da Universidade de Aveiro (Portugal), em 2010. Segundo dados recentes do Instituto Nacional de Estatística de Moçambique (INE), cerca de 10.6% de moçambicanos é falante nativo do português, uma língua segunda, que co-ocorre com mais de vinte línguas autóctones. As condições fornecidas para aprender o português em Moçambique ainda são muito limitadas – poucos materiais disponíveis, poucas oportunidades de comunicar directamente com pessoas de língua nativa portuguesa para melhorar a compreensão oral dos alunos e praticar a comunicação indirecta com aqueles que falam a língua portuguesa (embora isto seja controverso, julgo que a exposição à língua materna pode garantir boa aprendizagem do português). Segundo Wang Shouyuan (2003: 1 – 5), “um ser humano passa 70% do seu tempo acordado em diversos tipos de actividades comunicativas, sendo 11% em escrever, 15% em ler, 32% em falar e pelo menos 42% em ouvir”. Olhando para estes dados, que leituras podemos fazer da situação linguística de Moçambique, onde parece que os professores usam da tradução para ensinar o português? Em que medida a língua portuguesa garante o sucesso da aprendizagem dos moçambicanos? Não pretendo dar uma resposta conclusiva às questões que ponho, mas somente reflectir, provocar debate sobre o processo de ensino e aprendizagem do português em Moçambique, e chamar a atenção sobre a necessidade de diminuição da distância linguística dos professores relativamente à língua alvo.

Palavras-chave (3 a 5): ensino, português, línguas moçambicanas, Moçambique.

domingo, 6 de março de 2011

O papel do professor na educação em Moçambique

Introdução

Nesta sessão, proponho-me a reflectir sobre «o papel do professor na educação em Moçambique». A minha abordagem enquadra-se no sistema educativo, e tem em conta a contribuição dos agentes da educação como a família, a escola e a sociedade em geral, nos desafios actuais da sociedade moçambicana, como por exemplo o combate à pobreza. Esta opção deve-se ao facto de a actividade do professor ser regulada pela sociedade e reflectir as actividades que o homem realiza, seus desejos, seu comportamento e atitudes. Deve-se também ao facto de o discurso sobre o professor merecer a devida contextualização, porque o discurso cria, produz uma noção particular sobre o currículo, que é usado na escola para a educação/formação dos homens.
De acordo com Ribeiro (1990), «o sistema educativo caracteriza-se como conjunto organizado de estruturas, meios e acções diversificadas através do qual se realiza o processo permanente de formação a que têm direito os membros da comunidade que adopta esse sistema educativo, visando o desenvolvimento pessoal, o progresso social e a inserção numa cultura».
Tendo em conta este conceito, e considerando que a escola é o lugar tradicional do trabalho do professor, posso afirmar que a reflexão sobre o papel deste, na educação, passa por observar o plano curricular que ele usa, pois os sistemas educativos reflectem geralmente, a determinação política, económica e social de quem o elaborou. É impossível o professor exercer a sua actividade fora de um sistema educativo.
Por exemplo: no início do século XX, face à crescente industrialização da sociedade americana, defendeu-se a «metáfora da escola como uma fábrica e do currículo como processo de produção», em que as crianças eram vistas como “matéria-prima” e os professores como controladores do processo de produção, assegurando que os “produtos” eram construídos de acordo com as especificações meticulosamente traçadas e com o mínimo de desperdício. Naquele contexto histórico e social, defendia-se a educação vocacional, e a intensificação da escolarização dos indivíduos de forma a corresponderem ao crescente processo de industrialização. O modelo institucional dessa educação era a fábrica. A escola deveria reproduzir a mesma racionalidade do sistema produtivo. E o currículo era o ordenamento dessa produtividade, dessa racionalidade eficiente.
Como se pode imaginar, o papel do professor era garantir a eficiência nos resultados, com rapidez, mínimo espaço, mínimo custo. A escola era vista também como uma agência de controlo social, em que a eficiência social se impunha como objectivo pleno da educação. O problema é que a lógica da eficiência social estava centrada apenas na criança enquanto tábua rasa, e o professor como o detentor do saber. Desta constatação surgem propostas inovadoras. Uma delas é a que chamava a atenção para a consciencialização de que a criança tinha que aprender, investigar, comparar, pensar nos porquês e tomar as suas decisões, enquanto o professor devia servir de guia e não de fonte ou recipiente de informação.
Através deste exemplo pretendo apenas salientar que o papel do professor deve ser devidamente contextualizado, tendo em conta as relações do poder e as transformações políticas, económicas de cada sociedade e época. Na verdade, a história da educação é riquíssima em matéria de modelos de desenvolvimento curricular, fornecendo-nos várias teorias e escolas, em que a preocupação central parece estar na pretensa satisfação das necessidades dos cidadãos.
Neste contexto, parece que o professor está envolvido em todo o processo de transformação curricular, pois é sobre ele que recai a tarefa de pôr em prática qualquer forma de educação que se pretende desenvolver. Por isso, considerando que a educação é um processo social, exige-se dele elevado grau de disciplina e investigação de modo a que participe com responsabilidade e liderança na construção do saber. Isto implica o saber compreender os fenómenos sociais e contribuir para que a sua interpretação seja acessível para todos.

Compulsando sobre o papel do professor na educação em Moçambique

Para analisar o papel do professor na educação em Moçambique vou considerar, nomeadamente a família, a escola e a sociedade em geral, como agentes da educação:

A família

Quando ingressa na escola, o aluno não é uma tábua rasa, pois já teve um período de aprendizagem na família e na comunidade. Ele sabe como manusear objectos, nomear coisas, e tem a noção da organização da sua família, e provavelmente da sua comunidade. A vida familiar é geralmente prática e complexa, pois proporciona muita informação, muitos conhecimentos sobre o funcionamento da sociedade. A criança não precisa ir a escola para saber quem é o líder da sua comunidade, o nome da moeda que usa e a sua função, conhecer os museus, as praças públicas, os jardins da sua cidade ou comunidade, acender a luz, abrir a torneira da água, abrir e fechar a porta. Tudo isto pode aprender em casa, em convívio com a família e a comunidade. Actualmente, com o desenvolvimento tecnológico muitas crianças já vão à escola com conhecimentos básicos sobre a informática, fazem pesquisa sobre jogos, vídeos, etc. para o seu lazer, e sabem conectar-se à internet. É por isso que a chegada à escola, ela não é uma tábua rasa: detém conhecimentos e experiências riquíssimas que precisam ser aproveitadas para a vida escolar. Tudo isto faz com que o trabalho do professor hoje seja mais complexo e exigente. O professor que não pesquisa, que não busca novos conhecimentos, corre o risco de não poder transmitir novos conhecimentos aos seus alunos, não poder incentivar os alunos à pesquisa. É por isso que nas cidades muitos pais antes de matricularem os seus filhos fazem pesquisa sobre a escola e as condições que estas podem oferecer, etc.. Cada um de nós poderá ter muitas histórias a contar sobre professores que, diga-se, «não sabem» o suficiente para motivar os seus alunos a aprenderem.
A família está cada vez mais exigente e, paradoxalmente, ela própria sem tempo para educar os seus filhos. É cada vez mais crescente o número de pais que delegam à escola o papel de educar as crianças. Há quem pense que o professor pode substituir os pais, esquecendo-se que o seu filho estará numa turma, provavelmente numerosa, onde o suposto pai não poderá fazer o milagre de cuidar integralmente do «filho». Os pais muitas vezes não fazem o acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem, mas querem saber o resultado final, do tipo passou ou chumbou. Como disse, esta é uma abordagem contextualizada, refiro-me à visão que muitos pais possuem do papel do professor na educação: o professor é pai. Pessoalmente, não concordo com este ponto de vista, mas existe esta concepção e ela é fortemente marcada. É fácil perceber esta associação quando se elogia, e sobretudo se critica o trabalho do professor. O professor quase sempre tem rótulos, pode ser por exemplo bom ou mau, dependendo se os pais observam ou não progressos na aprendizagem do seu filho. Parece-me que para a família o papel primordial do professor é ensinar as crianças a saberem mais sobre as coisas para o seu bem-estar.

A escola e a sociedade

Como sabemos, o processo de educação e socialização começa em criança na família, e prossegue na fase adulta, através da contribuição para a construção de uma sociedade capaz de satisfazer as determinações políticas e sociais legalmente instituídas. A educação escolar constitui um processo formativo sistemático e sequencial que ocorre em determinados momentos, em contextos específicos, durante períodos temporais definidos, através de pessoas especialmente preparadas para a tarefa de ensino – aprendizagem, segundo estruturas e esquemas organizativos, de modo a avaliar e certificar a aquisição de qualificações previamente definidas (conhecimentos, aptidões e atitudes). (Ribeiro e Ribeiro, 1990: 32)
Segundo este autor, há duas principais funções da escola: instrução (ou ensino) e socialização. Isto significa que a escola para além de proporcionar ao aluno aprendizagens formalmente estabelecidas para o processo de ensino - aprendizagem, sistematiza a socialização iniciada na família na forma de normas de conduta e social.
Actualmente, o professor parece enfrentar vários desafios na escola. Vou indicar três, que julgo de grande importância para a planificação e execução do seu trabalho: 1) a crescente industrialização do país e o ritmo elevado do desenvolvimento tecnológico, que parece transferir o espaço físico tradicional (a sala de aulas) para espaços virtuais, como por exemplo a internet. Isto pode implicar mudanças de estratégias de ensino aplicáveis à modalidade presencial para a modalidade não presencial; 2) a integração regional, com particular enfoque para a livre circulação de pessoas e bens na SADC. Isto pode implicar transformações curriculares com vista a harmonização dos programas de ensino na região austral de África. E 3) a pobreza e as suas consequências na escola. Passo a desenvolver cada um dos desafios mencionados:
1) A questão coloca-se da seguinte forma: como o professor pode auxiliar o aluno a desenvolver competências para satisfazer a crescente industrialização da sociedade moçambicana? Como é que as novas tecnologias podem auxiliar o aluno a saber mais? Sem pretender dar resposta às questões, impõe-se uma discussão sobre a contribuição da escola neste domínio, pois o desenvolvimento industrial e tecnológico do país tem implicações directas na planificação curricular e no trabalho do professor, que deve estar melhor preparado para enfrentar as exigências do mercado que se traduzirá na selecção dos melhores e na exclusão dos que não demonstrarem competências para a vida. As inovações requerem uma formação, uma preparação e uma organização. Um indivíduo mal formado certamente que não poderá inovar, e muito menos contribuir para o desenvolvimento do seu país. Neste contexto, o professor deve funcionar como uma luz, e usar os novos meios de informação para desenvolver o espírito crítico por parte dos intervenientes no processo de ensino – aprendizagem. O professor deverá, na minha óptica, ter a consciência de que o aluno precisa contribuir para a sua própria aprendizagem, e como tal deverá criar um ambiente favorável para o efeito. Por exemplo, usar o computador para exercer uma forte motivação dos alunos, alargar as fontes de informação, tais como livros, filmes, vídeos, internet, televisão, jornais, revistas, multimédia, etc..
2) A livre circulação de pessoas e de bens na SADC exige dos cidadãos dos países desta comunidade, esforços para competirem com os outros em vários domínios da formação profissional, como é o caso da língua. Assim, a intervenção do professor será fundamental para garantir competências linguísticas e comunicativas dos alunos. No que diz respeito aos bens, considerando a existência de uma zona de livre circulação, os consumidores preferirão logicamente produtos de melhor qualidade. Isto implica que a escola tem de estar preparada para formar cidadãos capazes de produzir bens de qualidade. Neste sentido, caberá ao professor incentivar a busca de conhecimentos para ajudar o aluno a sair da escola com competências para produzir com qualidade. A escola deve abrir-se ao mundo e permitir a interacção, a partilha de saberes e a sua divulgação.
3) A pobreza é um grande desafio da escola moçambicana: parece-me que tem influência directa no insucesso escolar, no fracasso da produção, no elevado índice da mortalidade, etc.. A escola moçambicana tem de produzir conhecimentos que permitam aumentar a produção e a produtividade. Acredito que foi a pensar nisso que se introduziu no ensino secundário geral disciplinas técnicas como o empreendedorismo e agro-pecuária.

A problemática do poder no currículo

O currículo do SNE, em Moçambique, pode ser visto também na perspectiva das relações do poder. A questão do poder é desde a independência um imperativo nacional no currículo. Esta questão tem-se manifestado no currículo de várias formas. No período entre 1975-1992, o slogan “Fazer da escola a base para o povo tomar o poder”, traduzia com precisão a missão da escola e da sociedade – tornar o espaço outrora[1] inacessível para a maioria da população moçambicana, num lugar de acesso massivo. Acreditava-se que o desenvolvimento económico e social do país dependia da escolarização em massa da população. Esta ideia foi defendida nos termos em que a revolução moçambicana impunha o fim das relações de classe, a divisão tribal, a discriminação racial, e a busca da unidade nacional.
Na verdade, o sistema educativo em Moçambique, após a independência, procurou constituir-se um espaço para todos, crianças, jovens e adultos, independentemente do estrato social a que os intervenientes pudessem pertencer. Segundo Casali (2001: 114), a tarefa histórica, no caso moçambicano, cumpriu-se através dessa forma de superação dos privilégios que um grupo de indivíduos detinha no período colonial, instaurando o direito à educação para todos.
Julgo que a escola moçambicana após a independência até a introdução do Sistema Nacional de Educação era fortemente marcada pelos ideais da Luta Armada de Libertação Nacional. Era uma escola revolucionária, que visava a emancipação e a libertação do Homem das chamadas tradições e práticas obscurantistas, como os ritos de iniciação, as cerimónias de invocação aos espíritos ancestrais; a proibição de produção e consumo de bebidas espirituosas ou tradicionais. Essas medidas tinham como pretexto combater as heranças do colonialismo. Parece ter havido a crença de que o colonialismo fomentava essas práticas para manter o povo na ignorância e, assim, perpetuar a dominação do Homem pelo Homem.
Como afirma Sacristán (1991:21):
O currículo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a determinados professores e alunos, serve-se de determinados professores e alunos, serve-se de determinados meios, cristaliza, enfim, num contexto, que é o que acaba por lhe dar o significado real. Daí que a única teoria possível que possa dar conta desses processos tenha de ser do tipo crítico, pondo em evidência as realidades que o condicionam.

Na verdade, a sociedade moçambicana soube ajustar-se em função dos tempos e do seu próprio desenvolvimento. Este exercício reflecte-se hoje no currículo: a revisão curricular no E. Básico, E. Secundário Geral e E. Técnico, resulta da necessidade de ajustar a escola à realidade social, política e económica do país. Como dizia Althusser, a escola é um dos principais Aparelhos Ideológicos do Estado. Embora Althusser se referisse à escola capitalista, parece que todo Estado usa o potencial que a escola detém para formar uma consciência individual e colectiva de pertença a uma nação.
Sacristán (1991: 31) chama a atenção para as diferentes formas de actuação ideológica da escola:
A escola actua ideologicamente através de seu currículo, seja de uma forma mais directa, através das matérias mais susceptíveis ao transporte de crenças explícitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais existentes, como Estudos Sociais, História, Geografia, por exemplo; seja de uma forma mais indirecta, através de disciplinas mais “técnicas”, como Ciências e Matemática.

Embora o autor não faça referência às disciplinas de língua, é preciso notar que a língua é, provavelmente, o principal instrumento ideológico ao serviço da escola. Os mecanismos selectivos usados para determinar a língua de instrução estão em função das possibilidades reais que uma língua tem para difundir os interesses ideológicos do poder. No caso de Moçambique, a língua portuguesa foi eleita língua de unidade nacional e língua oficial. Para além disso, a língua portuguesa constitui um veículo de transmissão de conhecimentos científicos e culturais.

Conclusão:
Antigamente, o professor era visto como o detentor de todo saber. Era uma espécie de depositário de conhecimento que podia ser transferido para o seu aluno. O seu saber e os seus procedimentos metodológicos não eram submetidos à crítica. Actualmente, esta visão do professor parece ter mudado: o professor é visto como um motivador, aquele que incentiva o aluno a pensar, a questionar a realidade, a descobrir coisas novas, e a aprender a reflectir sobre os fenómenos que o rodeiam. Por isso, julgo que o papel do professor é servir de modelo para o seu aluno, estimulando-o a gostar e a acreditar naquilo que faz. O professor deve inspirar o seu aluno a produzir conhecimento e riqueza para o bem estar da sociedade. Acredito que apostar na escola e no professor é incentivar o desenvolvimento social e económico do nosso país.

Bibliografia:
GANHÃO, Fernando (1979). “O papel da Língua Portuguesa em Moçambique”. Maputo: Comunicação apresentada no I Seminário Nacional sobre o Ensino da Língua Portuguesa em Moçambique.
MAZULA, Brazão (1995). Educação, Cultura e Ideologia em Moçambique: 1975 – 1985. Maputo: Edições Afrontamento.
SACRISTÁN, J. G. (1991). O currículo, uma reflexão sobre a prática. 3ª edição. São Paulo: Artmed Editora.
SANTOS, Nobre Roque dos (2006). Estratégias de ensino da leitura/compreensão de textos didácticos. PUC – São Paulo: Dissertação de Mestrado. (Disponível em http://biblioteca.universia.net/2008).
RIBEIRO, António Carrilho e RIBEIRO, Lucie Carrilho (1990). Planificação e avaliação do ensino – aprendizagem. Lisboa, Universidade Aberta.
[1] Refere-se ao período colonial.