domingo, 6 de março de 2011

O papel do professor na educação em Moçambique

Introdução

Nesta sessão, proponho-me a reflectir sobre «o papel do professor na educação em Moçambique». A minha abordagem enquadra-se no sistema educativo, e tem em conta a contribuição dos agentes da educação como a família, a escola e a sociedade em geral, nos desafios actuais da sociedade moçambicana, como por exemplo o combate à pobreza. Esta opção deve-se ao facto de a actividade do professor ser regulada pela sociedade e reflectir as actividades que o homem realiza, seus desejos, seu comportamento e atitudes. Deve-se também ao facto de o discurso sobre o professor merecer a devida contextualização, porque o discurso cria, produz uma noção particular sobre o currículo, que é usado na escola para a educação/formação dos homens.
De acordo com Ribeiro (1990), «o sistema educativo caracteriza-se como conjunto organizado de estruturas, meios e acções diversificadas através do qual se realiza o processo permanente de formação a que têm direito os membros da comunidade que adopta esse sistema educativo, visando o desenvolvimento pessoal, o progresso social e a inserção numa cultura».
Tendo em conta este conceito, e considerando que a escola é o lugar tradicional do trabalho do professor, posso afirmar que a reflexão sobre o papel deste, na educação, passa por observar o plano curricular que ele usa, pois os sistemas educativos reflectem geralmente, a determinação política, económica e social de quem o elaborou. É impossível o professor exercer a sua actividade fora de um sistema educativo.
Por exemplo: no início do século XX, face à crescente industrialização da sociedade americana, defendeu-se a «metáfora da escola como uma fábrica e do currículo como processo de produção», em que as crianças eram vistas como “matéria-prima” e os professores como controladores do processo de produção, assegurando que os “produtos” eram construídos de acordo com as especificações meticulosamente traçadas e com o mínimo de desperdício. Naquele contexto histórico e social, defendia-se a educação vocacional, e a intensificação da escolarização dos indivíduos de forma a corresponderem ao crescente processo de industrialização. O modelo institucional dessa educação era a fábrica. A escola deveria reproduzir a mesma racionalidade do sistema produtivo. E o currículo era o ordenamento dessa produtividade, dessa racionalidade eficiente.
Como se pode imaginar, o papel do professor era garantir a eficiência nos resultados, com rapidez, mínimo espaço, mínimo custo. A escola era vista também como uma agência de controlo social, em que a eficiência social se impunha como objectivo pleno da educação. O problema é que a lógica da eficiência social estava centrada apenas na criança enquanto tábua rasa, e o professor como o detentor do saber. Desta constatação surgem propostas inovadoras. Uma delas é a que chamava a atenção para a consciencialização de que a criança tinha que aprender, investigar, comparar, pensar nos porquês e tomar as suas decisões, enquanto o professor devia servir de guia e não de fonte ou recipiente de informação.
Através deste exemplo pretendo apenas salientar que o papel do professor deve ser devidamente contextualizado, tendo em conta as relações do poder e as transformações políticas, económicas de cada sociedade e época. Na verdade, a história da educação é riquíssima em matéria de modelos de desenvolvimento curricular, fornecendo-nos várias teorias e escolas, em que a preocupação central parece estar na pretensa satisfação das necessidades dos cidadãos.
Neste contexto, parece que o professor está envolvido em todo o processo de transformação curricular, pois é sobre ele que recai a tarefa de pôr em prática qualquer forma de educação que se pretende desenvolver. Por isso, considerando que a educação é um processo social, exige-se dele elevado grau de disciplina e investigação de modo a que participe com responsabilidade e liderança na construção do saber. Isto implica o saber compreender os fenómenos sociais e contribuir para que a sua interpretação seja acessível para todos.

Compulsando sobre o papel do professor na educação em Moçambique

Para analisar o papel do professor na educação em Moçambique vou considerar, nomeadamente a família, a escola e a sociedade em geral, como agentes da educação:

A família

Quando ingressa na escola, o aluno não é uma tábua rasa, pois já teve um período de aprendizagem na família e na comunidade. Ele sabe como manusear objectos, nomear coisas, e tem a noção da organização da sua família, e provavelmente da sua comunidade. A vida familiar é geralmente prática e complexa, pois proporciona muita informação, muitos conhecimentos sobre o funcionamento da sociedade. A criança não precisa ir a escola para saber quem é o líder da sua comunidade, o nome da moeda que usa e a sua função, conhecer os museus, as praças públicas, os jardins da sua cidade ou comunidade, acender a luz, abrir a torneira da água, abrir e fechar a porta. Tudo isto pode aprender em casa, em convívio com a família e a comunidade. Actualmente, com o desenvolvimento tecnológico muitas crianças já vão à escola com conhecimentos básicos sobre a informática, fazem pesquisa sobre jogos, vídeos, etc. para o seu lazer, e sabem conectar-se à internet. É por isso que a chegada à escola, ela não é uma tábua rasa: detém conhecimentos e experiências riquíssimas que precisam ser aproveitadas para a vida escolar. Tudo isto faz com que o trabalho do professor hoje seja mais complexo e exigente. O professor que não pesquisa, que não busca novos conhecimentos, corre o risco de não poder transmitir novos conhecimentos aos seus alunos, não poder incentivar os alunos à pesquisa. É por isso que nas cidades muitos pais antes de matricularem os seus filhos fazem pesquisa sobre a escola e as condições que estas podem oferecer, etc.. Cada um de nós poderá ter muitas histórias a contar sobre professores que, diga-se, «não sabem» o suficiente para motivar os seus alunos a aprenderem.
A família está cada vez mais exigente e, paradoxalmente, ela própria sem tempo para educar os seus filhos. É cada vez mais crescente o número de pais que delegam à escola o papel de educar as crianças. Há quem pense que o professor pode substituir os pais, esquecendo-se que o seu filho estará numa turma, provavelmente numerosa, onde o suposto pai não poderá fazer o milagre de cuidar integralmente do «filho». Os pais muitas vezes não fazem o acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem, mas querem saber o resultado final, do tipo passou ou chumbou. Como disse, esta é uma abordagem contextualizada, refiro-me à visão que muitos pais possuem do papel do professor na educação: o professor é pai. Pessoalmente, não concordo com este ponto de vista, mas existe esta concepção e ela é fortemente marcada. É fácil perceber esta associação quando se elogia, e sobretudo se critica o trabalho do professor. O professor quase sempre tem rótulos, pode ser por exemplo bom ou mau, dependendo se os pais observam ou não progressos na aprendizagem do seu filho. Parece-me que para a família o papel primordial do professor é ensinar as crianças a saberem mais sobre as coisas para o seu bem-estar.

A escola e a sociedade

Como sabemos, o processo de educação e socialização começa em criança na família, e prossegue na fase adulta, através da contribuição para a construção de uma sociedade capaz de satisfazer as determinações políticas e sociais legalmente instituídas. A educação escolar constitui um processo formativo sistemático e sequencial que ocorre em determinados momentos, em contextos específicos, durante períodos temporais definidos, através de pessoas especialmente preparadas para a tarefa de ensino – aprendizagem, segundo estruturas e esquemas organizativos, de modo a avaliar e certificar a aquisição de qualificações previamente definidas (conhecimentos, aptidões e atitudes). (Ribeiro e Ribeiro, 1990: 32)
Segundo este autor, há duas principais funções da escola: instrução (ou ensino) e socialização. Isto significa que a escola para além de proporcionar ao aluno aprendizagens formalmente estabelecidas para o processo de ensino - aprendizagem, sistematiza a socialização iniciada na família na forma de normas de conduta e social.
Actualmente, o professor parece enfrentar vários desafios na escola. Vou indicar três, que julgo de grande importância para a planificação e execução do seu trabalho: 1) a crescente industrialização do país e o ritmo elevado do desenvolvimento tecnológico, que parece transferir o espaço físico tradicional (a sala de aulas) para espaços virtuais, como por exemplo a internet. Isto pode implicar mudanças de estratégias de ensino aplicáveis à modalidade presencial para a modalidade não presencial; 2) a integração regional, com particular enfoque para a livre circulação de pessoas e bens na SADC. Isto pode implicar transformações curriculares com vista a harmonização dos programas de ensino na região austral de África. E 3) a pobreza e as suas consequências na escola. Passo a desenvolver cada um dos desafios mencionados:
1) A questão coloca-se da seguinte forma: como o professor pode auxiliar o aluno a desenvolver competências para satisfazer a crescente industrialização da sociedade moçambicana? Como é que as novas tecnologias podem auxiliar o aluno a saber mais? Sem pretender dar resposta às questões, impõe-se uma discussão sobre a contribuição da escola neste domínio, pois o desenvolvimento industrial e tecnológico do país tem implicações directas na planificação curricular e no trabalho do professor, que deve estar melhor preparado para enfrentar as exigências do mercado que se traduzirá na selecção dos melhores e na exclusão dos que não demonstrarem competências para a vida. As inovações requerem uma formação, uma preparação e uma organização. Um indivíduo mal formado certamente que não poderá inovar, e muito menos contribuir para o desenvolvimento do seu país. Neste contexto, o professor deve funcionar como uma luz, e usar os novos meios de informação para desenvolver o espírito crítico por parte dos intervenientes no processo de ensino – aprendizagem. O professor deverá, na minha óptica, ter a consciência de que o aluno precisa contribuir para a sua própria aprendizagem, e como tal deverá criar um ambiente favorável para o efeito. Por exemplo, usar o computador para exercer uma forte motivação dos alunos, alargar as fontes de informação, tais como livros, filmes, vídeos, internet, televisão, jornais, revistas, multimédia, etc..
2) A livre circulação de pessoas e de bens na SADC exige dos cidadãos dos países desta comunidade, esforços para competirem com os outros em vários domínios da formação profissional, como é o caso da língua. Assim, a intervenção do professor será fundamental para garantir competências linguísticas e comunicativas dos alunos. No que diz respeito aos bens, considerando a existência de uma zona de livre circulação, os consumidores preferirão logicamente produtos de melhor qualidade. Isto implica que a escola tem de estar preparada para formar cidadãos capazes de produzir bens de qualidade. Neste sentido, caberá ao professor incentivar a busca de conhecimentos para ajudar o aluno a sair da escola com competências para produzir com qualidade. A escola deve abrir-se ao mundo e permitir a interacção, a partilha de saberes e a sua divulgação.
3) A pobreza é um grande desafio da escola moçambicana: parece-me que tem influência directa no insucesso escolar, no fracasso da produção, no elevado índice da mortalidade, etc.. A escola moçambicana tem de produzir conhecimentos que permitam aumentar a produção e a produtividade. Acredito que foi a pensar nisso que se introduziu no ensino secundário geral disciplinas técnicas como o empreendedorismo e agro-pecuária.

A problemática do poder no currículo

O currículo do SNE, em Moçambique, pode ser visto também na perspectiva das relações do poder. A questão do poder é desde a independência um imperativo nacional no currículo. Esta questão tem-se manifestado no currículo de várias formas. No período entre 1975-1992, o slogan “Fazer da escola a base para o povo tomar o poder”, traduzia com precisão a missão da escola e da sociedade – tornar o espaço outrora[1] inacessível para a maioria da população moçambicana, num lugar de acesso massivo. Acreditava-se que o desenvolvimento económico e social do país dependia da escolarização em massa da população. Esta ideia foi defendida nos termos em que a revolução moçambicana impunha o fim das relações de classe, a divisão tribal, a discriminação racial, e a busca da unidade nacional.
Na verdade, o sistema educativo em Moçambique, após a independência, procurou constituir-se um espaço para todos, crianças, jovens e adultos, independentemente do estrato social a que os intervenientes pudessem pertencer. Segundo Casali (2001: 114), a tarefa histórica, no caso moçambicano, cumpriu-se através dessa forma de superação dos privilégios que um grupo de indivíduos detinha no período colonial, instaurando o direito à educação para todos.
Julgo que a escola moçambicana após a independência até a introdução do Sistema Nacional de Educação era fortemente marcada pelos ideais da Luta Armada de Libertação Nacional. Era uma escola revolucionária, que visava a emancipação e a libertação do Homem das chamadas tradições e práticas obscurantistas, como os ritos de iniciação, as cerimónias de invocação aos espíritos ancestrais; a proibição de produção e consumo de bebidas espirituosas ou tradicionais. Essas medidas tinham como pretexto combater as heranças do colonialismo. Parece ter havido a crença de que o colonialismo fomentava essas práticas para manter o povo na ignorância e, assim, perpetuar a dominação do Homem pelo Homem.
Como afirma Sacristán (1991:21):
O currículo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a determinados professores e alunos, serve-se de determinados professores e alunos, serve-se de determinados meios, cristaliza, enfim, num contexto, que é o que acaba por lhe dar o significado real. Daí que a única teoria possível que possa dar conta desses processos tenha de ser do tipo crítico, pondo em evidência as realidades que o condicionam.

Na verdade, a sociedade moçambicana soube ajustar-se em função dos tempos e do seu próprio desenvolvimento. Este exercício reflecte-se hoje no currículo: a revisão curricular no E. Básico, E. Secundário Geral e E. Técnico, resulta da necessidade de ajustar a escola à realidade social, política e económica do país. Como dizia Althusser, a escola é um dos principais Aparelhos Ideológicos do Estado. Embora Althusser se referisse à escola capitalista, parece que todo Estado usa o potencial que a escola detém para formar uma consciência individual e colectiva de pertença a uma nação.
Sacristán (1991: 31) chama a atenção para as diferentes formas de actuação ideológica da escola:
A escola actua ideologicamente através de seu currículo, seja de uma forma mais directa, através das matérias mais susceptíveis ao transporte de crenças explícitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais existentes, como Estudos Sociais, História, Geografia, por exemplo; seja de uma forma mais indirecta, através de disciplinas mais “técnicas”, como Ciências e Matemática.

Embora o autor não faça referência às disciplinas de língua, é preciso notar que a língua é, provavelmente, o principal instrumento ideológico ao serviço da escola. Os mecanismos selectivos usados para determinar a língua de instrução estão em função das possibilidades reais que uma língua tem para difundir os interesses ideológicos do poder. No caso de Moçambique, a língua portuguesa foi eleita língua de unidade nacional e língua oficial. Para além disso, a língua portuguesa constitui um veículo de transmissão de conhecimentos científicos e culturais.

Conclusão:
Antigamente, o professor era visto como o detentor de todo saber. Era uma espécie de depositário de conhecimento que podia ser transferido para o seu aluno. O seu saber e os seus procedimentos metodológicos não eram submetidos à crítica. Actualmente, esta visão do professor parece ter mudado: o professor é visto como um motivador, aquele que incentiva o aluno a pensar, a questionar a realidade, a descobrir coisas novas, e a aprender a reflectir sobre os fenómenos que o rodeiam. Por isso, julgo que o papel do professor é servir de modelo para o seu aluno, estimulando-o a gostar e a acreditar naquilo que faz. O professor deve inspirar o seu aluno a produzir conhecimento e riqueza para o bem estar da sociedade. Acredito que apostar na escola e no professor é incentivar o desenvolvimento social e económico do nosso país.

Bibliografia:
GANHÃO, Fernando (1979). “O papel da Língua Portuguesa em Moçambique”. Maputo: Comunicação apresentada no I Seminário Nacional sobre o Ensino da Língua Portuguesa em Moçambique.
MAZULA, Brazão (1995). Educação, Cultura e Ideologia em Moçambique: 1975 – 1985. Maputo: Edições Afrontamento.
SACRISTÁN, J. G. (1991). O currículo, uma reflexão sobre a prática. 3ª edição. São Paulo: Artmed Editora.
SANTOS, Nobre Roque dos (2006). Estratégias de ensino da leitura/compreensão de textos didácticos. PUC – São Paulo: Dissertação de Mestrado. (Disponível em http://biblioteca.universia.net/2008).
RIBEIRO, António Carrilho e RIBEIRO, Lucie Carrilho (1990). Planificação e avaliação do ensino – aprendizagem. Lisboa, Universidade Aberta.
[1] Refere-se ao período colonial.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Expansão do ensino superior e qualidade (2)

2. Sobre a avaliação. A questão da avaliação do ensino superior está ligada aos objectivos e às estratégias que norteiam o funcionamento dos estabelecimentos deste nível. É uma matéria complexa que não cabe nestas linhas.
Antes de tecer quaisquer considerações sobre as matérias aqui arroladas, quero lembrar que neste espaço alimento utopias, e parece-me que a massificação do ensino superior seja um objectivo também utópico. Importa recordar que, todos os anos, as nossas crianças lutam por um lugar na escola. E a nossa escola ainda não têm lugar para todos. O objectivo de Jomtien (1990) está a ser uma miragem. O mesmo se pode dizer do direito à educação a que todos, mulheres e homens de todas as idades, no mundo inteiro têm direito. Não ignoro os nossos esforços por uma educação para todos. Muito temos feito, é verdade, mas também muito nos temos dispersado e confundido. A confusão deve absoluta a ponto de pensarmos que o nosso principal objectivo é o ensino superior. Não pode ser. Parece-me que andamos a brincar às universidades, quando no lugar de garantirmos um lugar para todos no ensino básico e secundário, queimamos etapas (corta-mato) em direcção às universidades e/ou instituições equiparadas.
E agora? As universidades já existem, mal criadas ou não, elas estão lá no terreno e a funcionar. Que passos devemos dar para as tornar mais operacionais, mais dinâmicas, mais competitivas? A avaliação será imprescindível? Eu julgo que ela já vem tarde. Refiro-me à avaliação institucional. Embora saiba que qualquer indicador de avaliação pode ser susceptível de discussão, é defensável que haja algum critério de abono, um instrumento fiável de medição da qualidade das nossas instituições. Então, temos que avançar no sentido de definirmos os indicadores. Temos referências? Tantas. Até podemos, como se diz em latim, “mutadis mutandis”, a partir das grandes referências que tivermos.
Como devemos todos saber (às vezes esquecemo-nos), a avaliação é um processo selectivo por excelência. Os resultados de uma avaliação indicam se algo vai bem ou mal. Não nos esqueçamos disso. Pode ser que estejamos a pedir algo que nos vai fazer “mal”. Os resultados devem ser usados para separar, manter ou promover. Isto deve estar claro. Se for para brincarmos às avaliações, é melhor ficarmos por aqui.
O passo que pretendemos dar, poderá indicar-nos que alguns cursos não são universitários, ou no pior cenário, que alguns estabelecimentos de ensino superior não são universidades. Também poderá indicar-nos (porque não?), que alguns cursos ou universidades são dos melhores que há neste planeta.
Temos que libertar as mentes para que as universidades surjam fortes e dinâmicas no mundo do conhecimento.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Expansão do ensino superior e qualidade (1)

Há dois dias, um colega enviou-me textos sobre o ensino superior e a avaliação da qualidade. Um artigo escrito por alguém que me parece dominar este tipo de questões. No essencial, a articulista censurava os que instituem indicadores de qualidade para a avaliação do ensino superior. O meu colega ao enviar-me o texto, fê-lo com o propósito de suscitar um debate. Eu que não sou especialista em avaliação, mas bastante intrometido no assunto, aliás, em assuntos de educação, fiquei por elaborar uma reflexão alargada à expansão do ensino superior. Porque sou politicamente incorrecto, tenho evitado que as minhas utopias agitem o político e interfiram nas decisões de governos. E quero continuar nesta linha, embora seja inevitável alguma irreverência...política. Vamos por partes:
1. sobre a expansão do ensino superior: quem pensou nisto? não sei. Mas posso imaginar que seja esta a vontade de muitos moçambicanos ávidos em estudar próximo dos locais de residência. Acho que a medida é por demais acertada. Irá evitar que continue a haver "deslocados" de escola, aqueles que abandonam as suas famílias e viajam à procura de uma escola, uma universidade em terras bem longíquas das suas e não voltam às suas origens. Há muitos deslocados de escola no meu país. Este grupo de indivíduos hoje olha para trás e tem um misto de saudade e revolta por nada poder fazer para mudar o curso de (sub)desenvolvimento dos seus bairros e cidades. São pessoas como eu, deslocadas: a escola deslocou-me da Munhava (Beira). Apesar de estar de acordo com o espírito que norteia a expansão do ensino superior, não posso deixar de criticar a forma e os procedimentos usados. A forma tem a ver com as infraestruturas (edificios e equipamento) e os procedimentos com o funcionamento (basicamente corpo docente, gestão de recursos e avaliação).
No que diz respeito às infraestruturas, tenho reparado que as unidades de expansão, ou melhor, expandidas, estão, na sua maioria, mal equipadas (deficiente ou enexistente serviço bibliotecário; deficiente ou inexistente laboratório; salas de aulas mal equipadas, etc.). Estas e outras anomalias condicionam os serviços universitários e a aceitação dos graduados no mercado do trabalho. Para agravar a situação dos potenciais utilizadores destas universidades, a selecção do corpo docente é feita, geralmente, com base no critério único de certificação, isto é, basta o candidato (?!) apresentar um certificado universitário para ser elegível. Parece já não contar a experiência, a média, a capacidade de trabalhar sob pressão, o ter feito uma pós-graduação, etc.. Paralelamente a tudo isto, parece-me que a gestão das universidades esteja a ser feita fora delas. Isto retira a autonomia e a criatividade que se pretende nas instituições do ensino superior. Falta às universidades, a verdadeira autonomia nas decisões que ela toma, se é que as toma.
Como dizia uma colega, até atingir o caos. Se não tivermos condições para sustentarmos as universidades é preferível andarmos devagar. Como diz o ditado "correr não é chegar". Eu quero universidade inclusive no meu bairro. Mas, tem de ser universidade! Este tempo é para nos afirmarmos em África e no mundo. A expansão do ensino superior tem de ser realizada com sucesso. Seguramente, se todos nós estivermos envolvidos neste esforço, digo, se o esforço de expansão não for de um grupo, mas de todos nós, há maior possibilidade de êxito. Todavia, tratando-se de universidade, o esforço não deve ser popular, mas científico. A tarefa da universidade é produzir conhecimento e servir a sociedade. Quando isto não acontece, a sociedade enfraquece, torna-se vulnerável e depende das outras nações.
É preciso não termos ilusões sobre a natureza de uma universidade. A sociedade moçambicana deve deixar de dar lições aos académicos e cientistas, porque actos políticos menos conseguidos podem banalizar a missão destes e demiti-los de suas responsabilidades sociais. A universidade não precisa de lições sobre o seu desenvolvimento. Ela afirma-se através da observação contínua dos fenómenos que a rodeiam e pela introspecção. Por isso, precisa de estabilidade.
Julgo que é chegado o momento de estabelecer uma moratória de pelo menos cinco anos para consolidar as instituições e avaliar os resultados. Haja coragem!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sobre a formação de professores de 12ª+1

"É da atitude do corpo docente que depende, em última análise, o sucesso ou o fracasso de uma reforma" - Jean Thomas (cf. Os grandes problemas no mundo, edições António Ramos, 1978).
Em Novembro/Dezembro, estive em Maputo-Moçambique e esta visita possibilitou-me trocar algumas impressões com os professores do ensino secundário, na região de Maputo. De um modo geral, eram professores formados na Universidade Pedagógica (UP), nos cursos de 12ª+1 (12º ano de escolaridade + 1 ano de formação psicopedagógica).
Conversámos um pouco sobre tudo inerente ao Processo de Ensino e Aprendizagem. Devo dizer que alguns dos meus interlocutores foram meus alunos no ensino secundário e queriam "matar saudades". Mas, como parte interessada, tomei nota das principais preocupações dos meus interlocutores: 1) crítica da sociedade ao modelo de formação em curso; 2) desprezo dos seus colegas por serem docentes "had hoc", entre outras lamentações.
Lembrei-me que o sistema educativo moçambicano há anos que está em reforma. Todos os subsistemas de ensino são alvos de transformações ou de reforma curricular. Provavelmente, algumas reformas curriculares não estejam a ser acompanhadas por um estudo que as justifiquem.
Vejamos o caso da UP: de 2004 a esta parte, houve duas transformações curriculares: 2004-2009 e 2010-.... A reforma de 2004 foi realizada sob o signo de revitalização da UP; foram esgrimidos argumentos excitantes, incidindo sobre a necessidade de uma prática profissionalizante e uma especialização do futuro professor. Os cursos tinham uma única saída (monovalente), contrariamente aos anteriores bivalentes. E isto pouco interessava ao Ministério da Educação, porque precisaria de contratar tantos professores para a escola. Na altura da introdução do extinto curriculo, não faltaram avisos sobre o desfasamento da realidade. Para certos sector da sociedade, a UP estava a ser irrealista. Mas, a UP acreditou nos seus quadros e nos seus meios e avançou por conta própria. Foram precisos quatro anos para a arrogância directiva dar lugar a clarividência académica. Ainda bem!
Este ano, soube, introzuiram novo curriculo. Mudaram os nomes de algumas faculdades. Não tenho elementos suficientes para analisar as reais motivações destas mudanças. Em relação a currícula, tudo indica que é um esforço no sentido de a UP se "reintegrar", na medida em que o formato de formação monovalente é mais oneroso para os cofres do Estado. No que diz respeito aos nomes das faculdades, parece-me ser uma atitude de arrogância. Não tenho resposta para a substituição do termo "Línguas" por "Ciências de Linguagem", se a vocação é o ensino de línguas. Estamos a confundir "língua" e "linguagem"? Conheço as pessoas que estão à frente do processo e não acredito nessa possibilidade. Se há alguma razão superior para esta mudança, que isto seja partilhado. Julgo que é chegada a hora para a comunidade académica discutir conhecimentos e não funções.
Durante a vigência do currículo de 2004, a UP introduziu os cursos de 12ª+1. Sei que foi uma medida vinda de cima. Sei que houve resistência da comunidade académica à implementação de tal modelo. Entretanto, a partir do momento em que a universidade assumiu a tarefa de formar docentes segundo este formato, a responsabilidade de todo o processo é exclusivamente da UP. É por esta razão que os planos curriculares foram desenhados pelos departamentos da UP.
As críticas da sociedade moçambicana relativas à qualidade dos graduados de 12ª+1 devem ter resposta firme. E isto significa que a UP deverá investir, em primeiro lugar (como o está a fazer), na formação contínua dos seus professores/docentes e garantir que estes exerçam a sua tarefa com brio. E, em segundo lugar, a UP deverá fazer o acompanhamento destes cursos em parceria com o Ministério da Educação. Julgo que tem de haver colaboração entre estas instituições para minorar os defeitos de uma eventual lacuna de formação. Aliás, como já demos conta, a missão da UP, no que concerne a estes cursos de 12ª+1, é "indireitar a árvore". Para o bom nome da instituição esta missão tem de ser cumprida. Use-se toda a metáfora e toda a tecnologia.
A reforma nada significará se não houver um compromisso dos professores da UP na formação condigna dos futuros docentes.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Cabo Verde: Um país mil imagens! (2)

Praia

Estou na cidade da Praia com o “Pmate” – Universidade de Aveiro. O meu grupo tem a missão de garantir a organização da «ii bienal de Matemática, Língua Portuguesa e Tecnologias», a ter lugar na “Protecção Civil”, antigo aeroporto da Praia. Estamos todos confiantes no sucesso.
O programa sofre algumas alterações e a minha comunicação, que seria às 14 horas, é transferida para às 10 horas de 26 de Setembro. Só desejo que haja sala cheia, muito debate, muita troca de experiência sobre a investigação do nosso português. Partilho da convicção dos que afirmam que o português que viajou para o ultramar já não é o mesmo. É esta a ideia que norteia toda a minha investigação. É este o meu desafio. Tenho estado a pensar que o ensino do Português nos países africanos de expressão portuguesa assenta em utopias. Sei que esta afirmação não é politicamente correcta, nem uma descoberta científica. Acredito que há uma associação violenta entre o Português e o insucesso escolar. Há muitas crianças a serem diariamente violentadas nas escolas para falarem o Português, por professores também eles violentados, num ciclo vicioso de reprodução do mal. Ninguém sabe ao certo que Português se está a ensinar nas nossas escolas. Sei, repito, que estou a ser politicamente incorrecto. Mas não tenho outra forma de dizer a verdade.
Estamos a 24 de Setembro de 2009. A sala de conferências está repleta de participantes. É o início da ii bienal. O que nos reservamos uns aos outros para estes três dias de encontro? As primeiras comunicações impressionam-me sobretudo pelos projectos e pela vontade de uma afirmação colectiva nas três áreas do saber referenciadas. Procuro o reencontro com o passado comum (colonial) e tenho saudades de nada saber. Diria mesmo que sofro de um apagão do tipo "papel em branco". Entretanto, não me esqueço que o Português é a minha língua - é a nossa língua!
Enquanto decorrem as apresentações, reflicto sobre a minha vida profissional. Eu devia ser professor de Matemática e Física. Depois de inscrito neste curso, decidi mudar para o curso de Português. Pois, continua esta a minha aposta, desde a adolescência. Recentemente, e a pensar no Português de Moçambique (PM) tomei outra decisão: realizar investigação em Linguística do Discurso (oral), numa mescla entre o pedagógico e o social, para entender o “o quê” e o “como” falamos. E assim rompo com as áreas tradicionais de investigação (Sintaxe, Morfologia, Leitura, Escrita e Avaliação), na Universidade Pedagógica. Rompo também com os linguistas comparativistas (que não fazem mais nada do que comparar), embora compreenda o trabalho que realizam e utilize as suas valiosas contribuições científicas.
Penso nisto tudo em plena sala de conferências. Acredito que a minha experiência poderá ampliar as amostras e provocar discussões em benefício da educação e do processo do ensino e aprendizagem, não só em Moçambique, mas também noutros países de Língua Portuguesa. Julgo que os nossos projectos de desenvolvimento no sector da educação devem ter em consideração a nossa realidade (?!). Entendo que devemos conhecer melhor o que estamos a falar para melhor decidirmos sobre o que ensinar e como ensinar nos nossos países. As reflexões apresentadas na ii bienal em todas as áreas do saber devem-nos catapultar para o aprofundamento do conhecimento da nossa realidade, acima de tudo.
A cooperação internacional só faz sentido nos termos do parágrafo anterior. Moçambique, por exemplo, regista um grande avanço na investigação educacional, quer na área das línguas, quer noutras. A discussão científica é generalizada, embora os resultados não sejam publicados (ninguém conhece os misteriosos caminhos de uma ciência da gaveta!).
Apesar disso, ainda me lembro das calorosas discussões havidas na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, nos meados da década 90, em que os temas eram o “erro” e as interferências linguísticas. Sei que aqueles debates davam sequência a duas principais investigações sobre o PM, nomeadamente, (i) a tese de Doutoramento “A Construção de uma Gramática do Português em Moçambique: Aspectos da Estrutura Argumental dos Verbos”, da Professora Perpétua Gonçalves (1990), e (ii) “O Panorama do Português Oral de Maputo”, organizado por Christopher Stroud e Perpétua Gonçalves (1997). Nessa altura (e ainda hoje), a preocupação do sector da educação era garantir melhor qualidade do ensino e reduzir o insucesso escolar.
Segundo Gonçalves (1997:45-65), o Português falado em Maputo apresenta uma série de desvios em relação ao Português Europeu (PE), nas áreas do “léxico”, “léxico - sintaxe”, “Sintaxe” e “Morfo. Sintaxe”. Alguns exemplos de “erros”:
Léxico (p.46): «não sou boa historiadora …(PE= contadora de história)»;
Léxico - Sintaxe (p.48): «Eu não concordo disso … (PE= com isso»;
Sintaxe (p.57): «dependendo da região que as pessoas vivem. … (PE = em que/onde)»;
Morfo – Sintaxe (p.62): «Há muitas dificuldade. PE= dificuldades».

Para além da comparação PM - PE, o exercício era extensivo à relação PM e línguas de origem Bantu faladas em Moçambique. Neste caso vertente, os desvios receberam designações, tais como, “interferências” e “erros”.
Nesta bienal, a discussão sobre as interferências linguísticas foi desencadeada pela comunicação de António Quino, de Angola. Pareceu-me haver unanimidade de que este é um problema comum a todas as nações africanas de Língua Portuguesa. Há evidências de que as línguas locais mudaram o português falado e estão a ditar novas normas da escrita. Note-se que processos semelhantes deram origem a novas línguas (por exemplo, os crioulos). Isto é irreversível e não precisa de decretos.
Como dizia, em Moçambique, a nossa preocupação prendia-se com a resolução dos problemas ora identificados. Questionávamos como é que um professor de Português devia proceder diante das chamadas “interferências”, como “maningue” (muito), “kanimambo” (obrigado), ou a desvios do nível da sintaxe, etc.. Que fazer? Sancionar o aluno porque “errou”, ou admitir que é PM? Ou seja, o que é que devia ser considerado “erro”?
Havia na altura, e ainda hoje deve ser assim, grupos dos “puristas” e seguidores do PE, grupos dos moderados e dos reformistas. Na verdade, os moderados e os reformistas são os que representavam os interesses do Ministério da Educação, apostado no aumento das taxas de aprovação dos alunos (à todo o custo!). À distância sinto que o problema ainda não foi resolvido. Não me parece haver solução a curto prazo. A situação atingiu o caos e precisa de uma nova ordem linguística.
Paralelamente a tudo isto, as investigações que nos são apresentadas caracterizam-se por um status quo, diria, comodismos alarmantes. Falta-nos a irreverência científica e a coragem de dizermos a verdade. Que Português é o teu? O meu é PM (falta-lhe apenas o rigor da Norma) - é um «sistema complexo», diria o Professor Constantino Tsallis.
Partilho da convicção dos participantes a «ii bienal de Matemática, Língua Portuguesa e Tecnologias» de que ESTAMOS JUNTOS neste desafio de desenvolvermos os nossos países. Até a iii bienal!

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Cabo Verde: Um país mil imagens! (1)

Mindelo
Estou em Cabo Verde! Finalmente, concretizo um sonho antigo, ido dos tempos das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa: compreender o mito deste povo cercado pelo mar e libertado pela evasão. Aprendi que o cabo-verdiano carrega sonhos de vencer o mar e quer evadir-se, mas não vai a parságada! É literatura. Será utopia?!
Chego a Mindelo (São Vicente) também eu carregado de sonhos. E chove a cântaros. Noto que as pessoas não estão acostumadas com o fenómeno, mas estão felizes. A chuva! Tenho vontade de gritar, mas olho para os meus companheiros e desisto. A chuva leva-me sempre à infância, lá na Munhava. É muito profundo o sentimento de liberdade que me invade sempre que chove. Dentro de mim eu grito de verdade. E grito e grito e grito: chove em Cabo Verde. Afinal chove! É claro que chove! Mesmo assim vou a rua. E todos nós vamos. Os antigos já diziam quem vai à chuva molha-se. E há quem se molhou. He he!
A chuva, a Baía das Gatas, as inundações, a garoupa, o teatro (o Mutumbela Gogo também estava em Mindelo!), o estômago, e… puff! Uhn:: jejum forçado. E uma menina a pensar em Ecologia. Linda paisagem!!! Estou em Cabo Verde! Tenho muitas referências. Procuro o Liceu de Mindelo e dizem-me que o tal já é um museu. Mostram-me outro Liceu. Não é a mesma coisa, pois não?! Prefiro o antigo, aquele que eu conheço das Literaturas, o Liceu dos poetas e dos prosadores. O Liceu que anunciou Mindelo a todo mundo.
Ah! A menina dos pés descalços é de Mindelo. O bom do E. faz questão de nos levar até a casa da cantora. A porta está aberta, mas, ela não está. Alguém informa-nos que a musa da morna está em digressão. Partimos. A chuva teimosamente continua a fazer estragos. A rua principal de Mindelo é um autêntico rio. Algumas artérias da cidade transformam-se em destroços. E penso no meu país e nas cheias. Será que a desgraça me acompanha ao Atlântico? Não! Não pode ser. A natureza não pode ser tão hostil comigo! Concluo que o país não está preparado para as chuvas. E se chovesse por mais uma semana?! Exorciso: sai ideia ruim! Sai da minha mente, para nunca mais voltar!
Dizem-me que vejo uma imagem rara em Cabo Verde. Acredito.
Até um dia Mindelo! Vou a Praia para a ii bienal de Matemática. Língua Portuguesa e Tecnologias.

sábado, 5 de setembro de 2009

Diversidade nas Formas de Trabalho

Os homens tendem a rotular e a estigmatizar os outros em função do trabalho que realizam. Esta prática é secular, e universal. O problema disso, como dizíamos, é o nivelamento do outro por baixo, isto é, a diferença do trabalho leva a que uns tratem os outros por infelizes, incapazes, mal sucedidos, problemáticos, etc, ou o inverso, sortudos, corruptos, chefes, etc..
Foi a pensar na diversidade nas formas de trabalho, que uma amiga me pediu para escrever sobre isso, e eu aceitei. Imagine que todos nós realizássemos o mesmo trabalho, a mesma formação profissional, o que seria da sociedade, ou particularmente, do nosso país (e cada um pense no seu caso)?

Este trabalho tem por objectivo reflectir sobre a diversidade das formas de trabalho, no contexto empresarial. O conceito de “diversidade” pode estar associado ao “distinto”, “variado”, “divergente”, entre outros termos afins. Seja qual for o termo que queiramos usar, no contexto empresarial “diversidade” implica diferença. E se ampliarmos este exercício conceitual para às “formas de trabalho”, teremos que admitir o seguinte: sendo o trabalho uma actividade intrinsecamente humana, então há uma multiplicidade de trabalho, ou se quisermos, de formas de trabalho.
A diversidade das formas de trabalho tem a ver com a natureza do próprio Homem: cultural e socialmente diverso. A estrutura das organizações da sociedade humana depende em grande medida do grau do seu desenvolvimento (baixo, médio ou alto). Por essa razão, quando falámos na diversidade das formas de trabalho, temos que considerar o Homem, a sua cultura, crenças e valores, a sua organização económica e social.
Neste sentido, podemos afirmar que toda a estrutura da organização do Homem interfere nas relações de trabalho e contribui para a diversidade das formas de trabalho. Se considerarmos que cada empresa, por exemplo, tem uma Missão a cumprir, podemos, então, afirmar que poderá haver divergência entre a “missão” da empresa e o objectivo do trabalhador. Enquanto a empresa visa satisfazer o mercado, o trabalhador tem como objectivo melhorar as suas condições de vida, isto é, individualmente, o trabalhador procura a auto - satisfação. Por outro lado, os membros da empresa (trabalhadores e empregadores) realizam actividades diferentes, o que faz com que as condições de trabalho sejam diferentes e a distribuição dos prémios também.
Nas empresas, o conceito de diversidade significa essencialmente divergência, conflito de ideias, de posturas motivado pelo assunto em discussão. De acordo com Clair Vieira de Moraes (http://www.guiarh.com.br/PAGINA22T.html), as empresas usam o conceito de Missão, de Valores, de Ética e qualidade e de Cultura, que são de capital importância para o seu funcionamento.
Segundo este autor, “se houver clareza entre Missão e valores, a Cultura organizacional deverá estar desenhada, pois a junção dos dois primeiros conceitos é que definirão a Cultura da empresa, que colocadas em prática torna-se explícita e acompanha anos a dentro a história da organização”
Como podemos imaginar, a organização da empresa é diferente da organização do indivíduo/trabalhador. O indivíduo quando integrado na empresa, ele é portador de condutas, pensamentos e posturas, que muitas vezes divergem da Missão, dos Valores e da Cultura da empresa. O indivíduo precisa ser integrado/formado de modo a satisfazer a Missão da empresa. Por outro lado, o indivíduo precisa satisfazer os seus objectivos pessoais. Para o efeito, ele actua com base em motivações e valores, que funcionam muitas vezes como princípios de vida. Esta situação pode constituir motivo para as diversidades nas formas de trabalho.
Para Clair Vieira de Moraes, as diversidades acontecem com maior frequência nas relações internas, entre áreas, dentro da mesma área e nos grupos de trabalho. Quando falamos em “formas de trabalho”, podemos dar como exemplo, o relacionamento entre o chefe e o subordinado e vice-versa; o trabalho de alto rendimento e o trabalho de baixo rendimento; o trabalho manual e o trabalho mecanizado, etc.. Actualmente, com o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação, o Homem acentuou ainda mais a diversidade nas formas de trabalho.
A diversidade nas formas de trabalho pode ser vista como um factor de unidade no trabalho e na sociedade, se considerarmos que nas relações de trabalho as pessoas tendem a complementar as suas actividades recorrendo a parcerias com os outros.
Para tornar o ambiente de trabalho satisfatório e de compromisso entre as partes, as empresas elaboram Normas de funcionamento, em forma de Lei de Trabalho, que visam o bom relacionamento, a transparência e a coerência nas acções das partes envolvidas.
Essas Normas para além de regularem o funcionamento institucional, “controlam” as emoções dos indivíduos, que em princípio não precisariam delas, pois cada um deveria “controlar-se” ou ser gerente de si próprio quando em contacto com os outros, na medida em que o indivíduo, ao solicitar emprego, deve ter em mente que a empresa precisa de um profissional íntegro, capaz de disseminar boas relações de trabalho e trazer felicidade; o indivíduo deve saber que a empresa precisa de profissionais que possam cooperar para a materialização da sua Missão e, assim, evitar atitudes e comportamentos desviantes.
Todavia, porque o indivíduo poderá “descontrolar-se” nas relações de trabalho, as Normas constituem um instrumento fundamental do funcionamento das organizações/empresas, porquanto permitem que o indivíduo possa ser responsabilizado no quadro de princípios instituídos.